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quarta-feira, 28 de maio de 2008

Entrevista Alex Atala

HOME: REVISTA: COMPORTAMENTO 15/06/2005
Alan Rodrigues

Brasileiríssimos: algumas
receitas de Alex Atala


Personagem
Tem tucupi no Terroir

Às vésperas de liderar a semana da
cozinha brasileira na França, o chef
Alex Atala explica sua busca obstinada
por uma gastronomia nacional
Eduardo Marini

Muitos torcem o nariz para a idéia de se criar um conceito de alta gastronomia brasileira. Mas, entre os defensores da tese, o mais entusiasmado é o chef Alex Atala. Ex-DJ, ex-pintor de paredes na Europa, ex-estudante de hotelaria e gastronomia na escola belga Namur, esse paulistano de 37 anos, cabelos ruivos e corpo tatuado utiliza no seu restaurante, o D.O.M., em São Paulo, técnicas clássicas européias para potencializar o sabor dos ingredientes nacionais. Depois do sucesso de seu belo livro de pesquisas e receitas, Alex Atala – por uma gastronomia brasileira (Bei Editora, dois volumes, R$ 155), ele se prepara para lançar um estudo ainda mais ambicioso sobre as regiões produtoras de alimento no País, coisa que a turma do ramo gosta de chamar de terroir. Nesta entrevista a ISTOÉ, Atala, que em julho embarca para liderar uma semana de gastronomia brasileira na França, falou das origens dos ingredientes às técnicas para se refogar um feijão e fazer um singelo ovo frito.

ISTOÉ – Como definir a culinária brasileira?
Alex Atala – É de terra, de terroir. Típica, diversa, perfumada, mas também com forte marca primitiva. Fotógrafos reclamam que pratos brasileiros não dão boas imagens. Isso ainda é em parte verdadeiro, mas hoje há chefs que sabem explorar o sabor e a imagem desses pratos. Esse para mim é o verdadeiro sentido de gastronomia: usar técnicas clássicas para potencializar o valor dos produtos poéticos que temos. Cará, tapioca, mandioquinha, sagu, palmitos nativos, abóbora, banana, goiaba, tucupi (o leite da mandioca), jambu (erva da região Norte que provoca sensação de dormência na boca), tudo isso pode gerar combinações delicadas. Os chefs franceses radicados aqui usam esses ingredientes dentro da lógica da cozinha deles. Eu tento ajudar na criação de uma imagem de alta gastronomia brasileira e de uma linguagem universal a partir da combinação e da manipulação desses ingredientes.

ISTOÉ – No seu livro, você diz que nada do que havia na cesta de Carmen Miranda era exclusivamente brasileiro.
Atala – Verdade. Algumas frutas têm até origem tropical, mas não unicamente brasileira. A manga veio da Índia, o coco e o abacaxi são tropicais de origem asiática. A melancia é américo-mexicana. E a banana... bem, yes, nós temos bananas sim, mas as pesquisas mostram que os asiáticos tiveram antes.

ISTOÉ – Em julho, você será recebido no restaurante do Hotel Meurice, em Paris, do mesmo grupo do Plaza Athénée, para produzir uma semana de gastronomia como parte do ano brasileiro na França. O que vai fazer?
Atala – Vou trabalhar com ingredientes da Amazônia, que oferece um imenso potencial de exploração e desenvolvimento. No restaurante, sirvo um peixe com um tucupi que leva jambu, mas o resultado é suave. Estou feliz porque ligaram dizendo que já não há mais vagas.

ISTOÉ – Qual é a maior qualidade da cozinha brasileira?
Atala – O seu caráter exclusivo. Mandioquinha lembra mandioquinha, quiabo parece quiabo. Essa cozinha foi desdenhada, mas as coisas estão mudando. O (catalão) Ferran Adriá (um dos mais badalados chefs da atualidade, dono do El Bulli, em Girona, e amigo de Atala), acredita que o futuro da gastronomia mundial passará necessariamente pelo Brasil e pela China.

ISTOÉ – Como você conseguiu domar aquele batatão chamado cará?
Atala – Costumo servi-lo na forma de purê, com confit de pato, stinco de cordeiro
ou outra opção. O cará tem um ponto de cremosidade intermediário entre a mandioca, com liga poderosa, e a batata, mais leve. O trabalho maior foi achar o ponto ideal para o purê.

ISTOÉ – O que é preciso para fazer um bom feijão em casa?
Atala – É o típico caso em que menos é mais. Bacon, sal, louro e alho resolvem. Não encho de temperos. Também não queimo o alho, como muitas donas-de-casa fazem. Anula o sabor da maioria de seus óleos essenciais e dificulta a digestão. Há quem goste de feijão com coentro. Fica bom, mas ele deve ser usado fresco e com parcimônia, porque tem personalidade e cansa rapidamente o paladar. Em casa, resolvo 90% dos problemas com alho, cebola, sal, louro, manteiga, azeite, óleo e duas ou três dessas ervas frescas mais comuns. Se puder, prefira óleo de canola ou de milho ao de soja, que deixa gosto residual.

ISTOÉ – E o arroz?
Atala – O mesmo pensamento: sal, um pouco de cebola, água potável e um abraço. É uma burrice o brasileiro abandonar o arroz com feijão, como está ocorrendo.

ISTOÉ – Sem alho?
Atala – Prefiro arroz sem alho. Assim, o sabor dos outros pratos surge de
forma mais harmônica, sem confusões na boca.

ISTOÉ – Batata frita.
Atala – Óleo bem quente e batata em pequena quantidade, descascada e cortada
na hora, sem ser mergulhada na água, para não perder sabor e textura. As pessoas mergulham verduras e legumes na água. Não sabem como isso rouba sabor e interfere na textura.

ISTOÉ – Você tem três filhos. O que a família Atala come quando bate aquela
fome e a preguiça para sair ou fazer algo mais elaborado é total?
Atala – Uma carne ou um peixe grelhado com a maior simplicidade possível – sal, folhinhas de erva e um filete de azeite. Outra coisa que rola muito é um ovinho...


ISTOÉ – Bem lembrado. E o segredo para um
bom ovo frito?
Atala – Lá em casa acham um ovinho frito com pão um atalho para o céu. Concordo plenamente. O segredo: superfície antiaderente, fogo o mais baixo possível e manteiga clarificada – se não houver, misture um teco de azeite na comum sem sal, para aumentar o ponto de resistência às altas temperaturas e impedir de queimar. O fogo brando serve para o ovo cozinhar lentamente por baixo, deixando a clara úmida, a gema levemente firme na base e mole no alto, a manteiga dando sabor. Há quem goste de duas ou três gotas de molho inglês, mas nós somos do grupo dos que consideram o ovo fiel e monogâmico – ou seja, ama apenas e para sempre o sal.

ISTOÉ – Impossível evitar a vontade de comer
ovo. Salada...
Atala – Ingredientes frescos e temperados pouco antes de servir. Prefira comprar um pé de verdura inteiro do que trazer do mercado aquelas folhas separadas e lavadas, que mudam de sabor e duram pouco. A estrutura dos pés contribui para que esses alimentos durem mais.

ISTOÉ – A comida é o melhor caminho para conhecer um povo?
Atala – Em qualquer lugar do mundo, não há ponto de interseção melhor
entre natureza e cultura do que um prato de comida, uma garrafa de vinho
e uma turma comendo feliz.




O advento da gastronomia materialista
Visita do físico-químico Hervé This mostra atraso brasileiro na compreensão dos fenômenos culinários

Diante de uma platéia apinhada de chefes de cozinha, estudantes de gastronomia, jornalistas e curiosos, o físico-químico Hervé This lançou o seu repto: “O que acontece se colocarmos a maionese no forno de microondas?”. E, diante do silêncio: “Vocês estudam numa das mais importantes faculdades de gastronomia do país e nunca experimentaram para ver o que acontece?”.

Parecia mais uma piada desse hiperativo showman que viaja o mundo proferindo cerca de 150 conferências por ano e possui mais de 1.500 artigos publicados, tudo para divulgar a sua “gastronomia molecular”. Por isso ele sabe exatamente como a platéia reage a cada uma das suas provocações e pode utilizar o método do “estranhamento” para sensibilizar os seus ouvintes. No palco, ele faz o experimento e, quando abre o microondas, vemos o resultado que, então, parece uma obviedade.

Claro, a maionese não precisa ser salgada; pode ser doce. Nem precisa ter gema de ovo; pode ser feita com a clara, ou simplesmente com gelatina. Tampouco é preciso que o óleo seja de oliva; o elemento gorduroso pode ser um chocolate derretido, e assim por diante, para espanto de todos. O princípio é simples: são todos casos de emulsões de proteína, água e gordura.
19/11/07
Carlos
Comemos apenas sistemas dispersos

Hervé This conta com exatidão que em 16 de março de 1980 pretendeu fazer um prosaico suflê de queijo e se socorreu de uma receita culinária da revista “Elle”. A receita dizia para adicionar as gemas duas a duas. Depois de experimentos, viu que essa orientação não tinha sentido, e decidiu então estudar os ditos culinários, que ele chama de “precisões culinárias”, ou seja, tudo aquilo que corresponde aos métodos, dicas e mitos, que assumem a forma de determinações categóricas das receitas.

Elas, de fato, estão por toda parte. Se observarmos uma edição do nosso “Dona Benta”, de 1950, verificaremos as seguintes jóias: “Se quiser que os ovos rendam mais, bata primeiro as claras e depois junte as gemas”. Ou, ainda: “Os bules de prata ou de qualquer outro metal polido e brilhante tornam melhor o chá, porque conservam por mais tempo uma temperatura elevada”.

Hervé This se associou ao físico húngaro Nicholas Kurti, que tinha como hobby a culinária, e, juntos, constituíram a nova disciplina: a gastronomia molecular. O seu objeto de estudo se compõe das precisões culinárias, sendo que, ao longo do tempo, Hervé colecionou 25 mil delas, criando um banco de dados que, em breve, aparecerá no site da instituição à qual está vinculado, o Inra (Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas, órgão público francês equivalente à nossa Embrapa).

A metodologia de estudo que a dupla de cientistas desenvolveu é simples: tudo o que comemos são apenas sistemas dispersos, chamados colóides. Suas propriedades foram estudadas por vários físicos, inclusive Einstein. Tais sistemas entremeiam e estabilizam, por mecanismos físico-químicos, vários estados da matéria. Assim, do ponto de vista físico, temos líquidos associados a gases, sólidos em gases, gases em líquidos, líquidos em líquidos, sólidos em líquidos, gases em sólidos e sólidos em sólidos. As emulsões são um exemplo claro disso. O leite, por exemplo, é uma emulsão.
Ora, se a matéria se organiza dessa maneira, as produções culinárias nada mais são do que fases num continuum de transformações físico-químicas, bastando estabelecer onde começa e onde termina essa seqüência de interações moleculares, conforme as receitas indicam, para estarmos diante da “cozinha” e seus mistérios.

O que Hervé This faz é “modelizar” as receitas, isto é, transformar o seu enunciado em algo que possa ser executado sob controle, como um experimento qualquer, separando a sua parte útil daquelas afirmações que carecem de sentido prático ou são verdadeiros equívocos a respeito de como se comportam os fenômenos de transformação da matéria. Confrontando o ponto de partida de uma receita com o seu resultado, explicitam-se as indicações pertinentes e as impertinentes de uma receita.

Um exemplo muito simples. Hervé teve oportunidade de comer a indefectível feijoada que sempre se apresenta aos estrangeiros. Especulou sobre o modo de fazer e formulou a seguinte questão: “Por que vocês, brasileiros, colocam cachaça na feijoada se é um álcool volátil, que evapora totalmente?”. Ele fez o experimento de evaporar um copo de cachaça e demonstrou que, no final, restavam apenas vestígios de caramelo. “Então por que não colocam apenas uma colherinha de caramelo na feijoada? Ou, se acham que a madeira dá gosto, um pedaço de madeira diretamente dentro da feijoada, retirando-a ao final?”.

Sua tese subjacente também é inquietante: 80% da energia gasta nos processos culinários tradicionais se perde totalmente. As formas das panelas, a evaporação inútil, o trabalho de produção da cachaça, nosso próprio trabalho, encerram um desperdício enorme e, além disso, contribuímos involuntariamente para o aquecimento do planeta. Um simples ovo, por exemplo, fica muito melhor se cozido a 64º C -coisa que os principais chefs de cozinha já assimilaram e propagam em todos os cardápios como o “ovo perfeito”.
Ora, se formos levar a sério os ensinamentos da gastronomia molecular todas as receitas precisarão ser testadas de uma ótica científica, os livros de culinária deverão ser reescritos, as faculdades de gastronomia necessitariam ser refundadas e os críticos de gastronomia precisariam recalibrar seu olhar cético, reciclando-se nos livros de química e física para poder julgar se os chefs extraem da matéria, de fato, o melhor que ela pode dar para a satisfação e o prazer humanos.

É claro que nada disso acontecerá, ao menos de imediato, pois assim como os íons se ligam uns aos outros, também a tradição está solidarizada por interesses econômicos, preconceitos, desconfianças e, claro, uma crença remanescente na magia.


Nós não comemos símbolos

Talvez o impacto mais profundo da gastronomia molecular sobre a cultura culinária seja mesmo a discussão sobre o que fazer com aquela parte “inútil” das receitas -as “precisões”, os truques, os ditos tradicionais. Damos risada quando ouvimos que mulheres menstruadas não conseguem fazer bolos (“embatumam”) ou “desandam” maioneses, mas ainda acreditamos que, ao fazer uma emulsão, os ingredientes devem estar na mesma temperatura.

Ora, o que fazer com os conhecimentos tradicionais de nossas avós, que nos ensinaram seus “segredos” numa cadeia de transmissão da tradição que, em grande parte, nada mais são do que uma coleção de equívocos sobre como chegar a um bom resultado? O que farão os antropólogos que acreditam que só se consegue preservar o bom acarajé se preservarmos sobretudo as “baianas do acarajé”, inclusive com seus trajes, tabuleiros e técnicas do século 19?
Claro, tudo isso é muito poético, mas é preciso reconhecer que não comemos símbolos. Os símbolos se origina sobre uma materialidade qualquer, visto que as idéias não se apóiam no ar. Portanto o tratamento culturalista da culinária precisa se realinhar com o novo conhecimento aportado pelo desvendamento dos processos físico-químicos subjacentes a qualquer ato simbólico. É claro que a alimentação constitui símbolos identitários, como toda sorte de linguagem, mas o mundo não acabou quando se descobriu que a terra girava em torno do sol.

Os relativistas dirão: a química é equivalente ao pensamento mágico dos Ianomami enquanto explicação do mundo, inclusive do que se passa na cozinha. Não será a primeira nem a última vez em que a universalidade das ciências físicas e químicas é contestada. Mesmo assim, conhecendo exatamente como se dá a coagulação da clara e da gema do ovo, insistiremos nos velhos métodos? Ao descobrir que a carne ficará tenra numa cocção prolongada a baixa temperatura, insistiremos nos assados que destroem as suas melhores características?

É preciso perceber também que uma concepção materialista do cozinhar é oposto ao glamour sob o qual se apresenta a gastronomia atual. Ou, em outras palavras, uma nova glamourização precisará se desenvolver a partir de bases técnicas e tecnológicas renovadas se quisermos manter a sedução do comer na sua forma moderna, pois é evidente que as relações sociais sobre as quais se apóia a alimentação são mais importantes do que o conhecimento físico-químico sobre os processos empíricos do fazer culinário. Mas a velha “arte” culinária precisará se renovar, sob pena de parecer um estilo rococó à luz de um estilo Bauhaus.

A renovação esperada

Hervé This veio ao Brasil para lançar uma edição especial da revista “Scientific American Brasil” sobre “A ciência na cozinha”. Suas palestras, assistidas por mais de 1.200 pessoas, ajudaram muito a desfazer confusões.
Por exemplo, aquela que normalmente se estabelece em torno da aproximação dos resultados das suas pesquisas com a “culinária molecular”, que é o termo que ele mesmo cunhou para designar as aplicações feitas por chefs de vanguarda, como Ferran Adrià, em suas famosas “espumas”, “esferificações” etc.

Adrià, cujo senso de oportunidade é notável, logo percebeu que no centro da nova culinária está a pesquisa e a experimentação. O seu famoso “taller” nada mais era do que uma unidade de investigação de processos físico-químicos e suas aplicações na construção de alimentos modernos.

Pouco se sabe sobre a química dos nossos produtos autóctones, como as frutas da Amazônia, as variedades da mandioca etc. Sequer sabemos se o modo de fazer o pão de queijo é o melhor possível. O que dizer sobre a construção da própria qualidade do leite, hoje em crise, ou do prosaico queijo minas? A tradição não garante a qualidade, é apenas o ponto de partida da sua investigação e desenvolvimento num processo que, é claro, poderá reafirmar a “sabedoria” de muitos procedimentos datados de longo tempo. Sem a investigação jamais se chegará a estas certezas.

Hervé This é de opinião que a culinária tradicional européia é ainda, em boa medida, comandada pela Idade Média. Nós, que tanto discutimos sobre as origens ibéricas em vários domínios da cultura, precisamos agora passar a considerar essa vertente da formação nacional também na cozinha.

Um livro recente de Cristiana Couto (“Arte de Cozinha”, Senac, 2007) bem mostra como, dentro dos nossos primeiros livros de cozinha, viajavam os velhos livros de cozinha da tradição portuguesa e, dentro desses, os livros franceses. A formação culinária é apenas mais um caso de difusão cultural, embora os historiadores, sociólogos e antropólogos brasileiros só agora comecem a se dar conta disso.
Do ponto de vista da gastronomia molecular, a novidade será o curso regular que a Esalq-USP passará a oferecer, a partir de 2008, sob essa denominação. Ainda que com uma defasagem de mais de 15 anos, é de se esperar que cientistas e chefs brasileiros, debruçados sobre produtos autóctones, possam lançar a luz da ciência sobre o que comemos há séculos.


Publicado em 12/11/2007

Carlos Alberto Dória
É sociólogo, doutor em sociologia no IFCH-Unicamp e autor de "Ensaios Enveredados", "Bordado da Fama" e "Os Federais da Cultura", entre outros livros. Acaba de publicar "Estrelas no Céu da Boca - Escritos Sobre Culinária e Gastronomia" (ed. Senac)

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