Site dos estudantes do curso de gastronomia da UNIRIO - grupo A Nata - para desenvolvimento do TCC

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Revista QUÍMICA NOVA NA ESCOLA

Resenha N° 4, NOVEMBRO 1996
Hervé This. Trad. de Marcos Bagno.
São Paulo: Ática, 1996. 240 p.
R$19,70.

O leitor ou a leitora a quem ocorra que a editoria de Química Nova na Escola se equivocou em resenhar aqui este recente lançamento brasileiro da Editora Ática (1996), fruto de uma cuidada tradução de Marcos Bagno do original francês de Hervé This, Les secrets de la casserole (Paris: Éditions Belin, 1993), está esquecendo a histórica associação da química com a cozinha ou não recebe com muita freqüência questionamentos de seus alunos sobre os fenômenos químicos relacionados com a conservação e o preparo de alimentos.
Se perguntas como: Por que cozinhar em panelas de cobre? Como recuperar talheres de prata? ou Por que utilizar colheres de pau? muito provavelmente não ocorrem entre alunas e alunos nos dias atuais (porque o design das cozinhas e o metier dos cozinheiros e cozinheiras mudou muito neste final de século, que tornou as cozinhas de nossas avós dignas de museus), elas estão respondidas no livro junto com as freqüentes Por que a casca do pão tem mais sabor que o miolo? Por que o leite derrama? Por que a sopa esfria quando sopramos? Como misturar óleo com água? Por que a adição de limão ou vinagre fluidifica a maionese? Por que a gema cozinha depois da clara? Como evitar que os suflês afundem? e dezenas de outras perguntas que são explicadas, mostrando quais os fenômenos físicos e/ou químicos estão presentes. Há inclusive algumas mais técnicas entre as que estão muito presentes hoje em nossas salas de aula: Por que se cozinha mais rapidamente com uma panela de pressão?
ou Como ocorre o cozimento dos alimentos em um forno de microondas?
Estas até poderiam ser mais cientificamente explicadas no texto. O livro não é uma coletânea de perguntas e respostas, como o parágrafo anterior poderia induzir a leitora ou o leitor a acreditar. Há, por exemplo, um capítulo sobre a nova fisiologia do gosto, que This inicia mostrando as concepções de Aristóteles para chegar às divagações modernas e revelações mais recentes da ciência sobre o tema, passando por preparados dos alquimistas — e mostrando, por exemplo, a importância histórica da nozmoscada, fazendo-nos recordar como esteve presente nas cozinhas de nossa infância. As cores (e neste âmbito os cuidados para evitar determinados escurecimentos indesejáveis nos alimentos), os aromas e os perfumes tão importantes na sensibilização de nosso paladar são apresentados sob a ótica culinária. Alguns alimentos são contemplados com destaque: o ovo (segundo This “um astro pouco conhecido na cozinha”), a maionese, o pão, o leite (para este explica como a temperaturas superiores a 74 °C átomos de enxofre reagem com íons de hidrogênio formando o sulfeto de hidrogênio, que percebemos no característico cheiro de leite fervido), as carnes. As bebidas merecem interessantes observações. Quando os vinhos são comentados, o autor nos convida a aprender a ver com o nariz, explicando também como o glicerol forma as lágrimas dos vinhos. No capítulo sobre chás, o autor mostra porque certas chaleiras fazem com que o chá derrame usando uma ilustração do efeito de Bernouilli (que, enunciado em 1738, ainda hoje é importante em concepções aerodinâmicas); já o texto sobre o vinagre frustanos, pois os vinagres balsâmicos, tão significativos no enriquecimento dos aromas de uma salada, são muito rapidamente mencionados.

Gastronomia Molecular

Paulina Mata
Departamento de Química da FCT - UNL e CQFB-REQUIMTE

Em 1988, Nicholas Kurti, físico em Oxford, e Hervé This, químico francês, iniciaram uma colaboração para estudar os processos que ocorrem quando se cozinha. Este trabalho demonstrou que muitas técnicas, resultantes de uma aproximação empírica ao longo de séculos, podem ser explicadas com base na composição dos alimentos e alterações físicas e químicas que ocorrem na sua preparação.
A este ramo da ciência dos alimentos, que estuda a culinária a nível doméstico ou de restaurante, chamaram “Gastronomia Molecular”. Esta distingue-se das ciências alimentares tradicionais por o seu objecto de estudo serem as preparações em pequena escala, e não as industriais, e ainda por considerar a alimentação como um todo: os ingredientes crus, a sua preparação e, finalmente, a forma como são apreciados pelos consumidores. É, como tal, interdisciplinar envolvendo a física, a química, a biologia e a bioquímica, mas também a fisiologia, a psicologia e a sociologia.
A gastronomia molecular permite aperfeiçoar a prática culinária e desenvolver novas aplicações, seja a introdução de novas técnicas, como a cozinha no vácuo ou a baixas temperaturas, ou o uso de ingredientes menos tradicionais (mas sempre do grupo aprovado para alimentação e ao dispor da indústria alimentar). Por esta razão a gastronomia molecular é frequentemente associada às novas e mais vanguardistas tendências da cozinha actual. Tal não corresponde, no entanto, à realidade, sendo uma ciência que procura aprofundar o conhecimento sobre todos os tipos de cozinha, desde as tradicionais às mais vanguardistas.
A colaboração entre cientistas e chefes de cozinha é hoje uma realidade. Os restaurantes mais conceituados e vanguardistas têm actualmente químicos nas suas equipas. O papel que desempenham é fundamental, pois um conhecimento mais aprofundado e a nível molecular dos ingredientes é determinante para um processo criativo mais eficaz e inovador e uma maior qualidade.
Vários grupos de investigação têm ainda projectos em colaboração estreita com restaurantes e chefes de cozinha. Os temas de gastronomia molecular são um excelente veículo de divulgação de ciência e com um grande potencial para sensibilizar o público para o papel da ciência no quotidiano e mostrar que cada cozinha é um laboratório onde todos os dias se fazem reacções químicas. A gastronomia molecular contribui, deste modo, para interessar e motivar os jovens para o estudo da ciência.

Filosofia da degustação


Por Carlos Alberto Dória

A construção de uma Razão Degustadora é o guia iluminista para o consumo moderno do alimento

Se você topar com alguém diante de um café expresso sem açúcar, que afasta a espuma com as costas da colherinha, observa o creme com ares de quem disseca um inseto, leva a xícara ao nariz para sentir o aroma e só depois leva à boca, pode estar certo: está diante de um “barista”.

Não adianta procurar: a palavra não está no Houaiss. Esse tipo de gente que sabe tomar um café corretamente (isto é, com novos e diferentes gestos) é uma novidade, mas já existe até revista especializada em cafés que devem ser tomados dessa forma. O lobby do novo café quer mudar a nossa vida.

Coberto de razão, o crítico Arnaldo Lorençato chamou a atenção, em recente seminário sobre tendências modernas do consumo1, para essa moda brasileira de se “degustar” tudo: vinho, café, chocolate, uísque, cachaça, sal, azeite, e até água... A própria água universal (H2O) parece tão múltipla que uma “trademark” (Pepsi-Cola) não se peja em chamar seu novo refrigerante de sucesso justamente H2OH!

Sem dúvida é mais seguro nos cercarmos de conhecimentos que garantam o insosso da água diante das ciladas de sabores. Mas esta tendência de se buscar guias seguros em meio à incerteza dos sabores sequer é uma moda “brasileira”. Apenas chegou aqui, para nosso espanto, convertendo-se em um novo ramo de negócios e entrando regularmente nos cálculos do marketing da indústria da alimentação, especialmente no segmento de luxo.

A palavra deriva do francês “déguster” e surge no início do século XIX. Ela nos indica que o gosto não é algo imediato e irrefletido. Mas por que já não podemos confiar na primeira sensação que o paladar nos sugere? Como e por que se passa do gosto/não gosto imediato (e infantil?) para o gostar reflexivo?

Degustar é uma prática que nos leva à fronteira onde parece que vamos perder a simplicidade de uma sensação cristalina em troca da complexidade que, a rigor, não permite vislumbrar um final. Degustar é tomar o paladar como um sentido relativamente autônomo que, no entanto, precisa ser educado para nos conduzir entre a multiplicidade das coisas que se escondem por trás da unidade ilusória de sabores. O paladar, guiado pela degustação, é como o cego a quem desejamos levar a reconhecer a luz.

A filosofia da degustação quer dar sentido à experiência sensorial moderna. Situa o indivíduo diante de uma dimensão do comer que, até então, parecia subjetiva, mas hoje se apóia em múltiplas instituições que reconstroem a sensação: laboratórios de indústrias, pesquisas agroalimentares que geram novos conhecimentos sobre os alimentos, desenvolvimento de equipamentos culinários e de mensuração sensorial, ensino de gastronomia e produção literária especializada. O “gosto” torna-se o objeto central do marketing alimentar e, como tal, se inscreve numa nova lógica de vida em que o aspecto subjetivo é acessório.

O primeiro passo dessa filosofia é reconhecer que a autonomia do paladar é falsa. Não por acaso se procedeu à total reformulação da velha teoria sobre a fisiologia do gosto do século XIX, como expressa por Brillat-Savarin na sua bíblia gastronômica (“A Fisiologia do Gosto”). O que este texto tinha de inconveniente era apoiar a noção do gosto exclusivamente nas papilas gustativas, representado a língua a partir de um “mapa” onde o doce se situava na sua ponta, o salgado nas laterais, o ácido no meio e, finalmente, o amargo ao fundo, escorregando pelo abismo da garganta.

Essa classificação começou a se mostrar uma falácia já no início do século XX, quando se descobriu um quinto sabor –o umami–, que simplesmente não tinha representação espacial no tapete da língua. Hoje, sabemos que as papilas são mais sensíveis e versáteis do que se imaginava e que a nova língua que lambe o mundo não se situa apenas dentro da boca.

A moderna fisiologia do gosto, como o físico-químico Hervé This tem apontado, não se enraíza apenas no paladar. Ela reconhece os demais sentidos como instrumentos de apropriação das qualidades dos alimentos (cor, aroma, textura, temperatura; e a “crocância”, que convoca, ao mesmo tempo, o tato e a audição) de modo a constituir uma noção complexa, em que o paladar já não é necessariamente o primeiro solista da orquestra. O próprio “mapa” da língua não resistiu à análise da ciência moderna, ruindo como um preconceito do século XIX e persistindo apenas como um erro dos livros escolares de ciências.

O paladar já não é o cego a quem ensinamos a reconhecer a luz. A superação da cegueira não encontra solução no olho, mas nos demais sentidos; do mesmo modo o gosto se enraíza na totalidade do ser e –por que não dizer?– no próprio discurso sobre a comida. Nessa nova condição, o paladar se torna um guia exploratório do mundo, deixando na sua pré-história a fase na qual era o identificador de quatro sabores.

Para a filosofia baseada na moderna fisiologia do gosto o indivíduo é portador de sentidos flutuantes, flanantes, que já não podem se fiar em “instintos” ou em tradições que nos enganam não porque sejam fisiologicamente falhos, mas porque são socialmente instáveis. “Comer bem” já não é comer o que se gosta mais por força de hábitos herdados da infância, mas um ato que deve realizar, a um só tempo, uma função nutricional e uma função estética.

Se o cálculo de calorias aprofunda a nossa feição de máquinas biológicas, o trabalho sobre a cor, a forma, a textura, o aroma do que vai à boca, aponta para um outro valor que emerge como experiência estética associada ao comer. A tradição ocidental começa a explorar essa dimensão do comer pela manipulação do prato que, nos anos 1970, é levado à mesa pela primeira vez como um “arranjo estético” acrescido pelo chef, seguindo uma clara influência japonesa.

Mais tarde, forma-se uma especialidade nova, chamada “desenho culinário”. Essa jovem disciplina nasce entre 2002, com o trabalho do desenhista Marco Brétillot sobre a forma, a cor e a textura de uma preparação, e 2006, quando a Fundação Raymond Loewy concede o prêmio de desenho europeu a Ferran Adrià, que, como se sabe, também participa da Documenta (mostra de artes na Alemanha). Como o próprio Adrià diz, “a cozinha é uma linguagem mediante a qual se pode expressar harmonia, criatividade, felicidade, beleza, poesia, complexidade, magia, humor ou provocação”2.

Essas novas funções da alimentação não brotam das panelas (e nem podem ficar a cargo das avós e seu “savoir faire”). Derivam do seu novo lugar num mundo que está tão distante do comer cotidiano que parece mesmo algo extraordinário, ou uma confissão de fraqueza, que um chef possa dizer, numa entrevista qualquer, que gosta de pastel de feira. O poder do chef advém não de suas preferências ou sensibilidade de paladar, mas dessa espécie de função sacerdotal que se atribui a ele: além do sabor, ele “combina” cor, aroma, textura, crocância, temperatura na construção de um espetáculo de arte evanescente, em que o comensal ultima o sacrifício.

A gastronomia já não tem uma “missão”, como foi a de “aliviar” exageros no período da nouvelle cuisine; hoje, partindo da simplicidade máxima, deve construir texturas, combinações e efeitos visuais impactantes sem perder pé na excelência das matérias primas. Nas discussões modernas –e esta parece ser a base da nova crítica gastronômica– avultam os aspectos estéticos dos pratos, especialmente os escultóricos e cromáticos e as técnicas ilusionistas.

Mesmo o prato, onde se apóia o alimento, praticamente desapareceu depois de mudar várias vezes de forma e de cor -valendo hoje promover a composição alimentar sobre uma superfície qualquer, não delimitada a priori por uma borda. Aqui temos, transposta para a gastronomia, a mesma discussão sobre o suporte das artes plásticas.


A multiplicação dos objetos

Só a Razão Degustadora pode nos conduzir por esse universo do sentido moderno do comer ao qual o hábito cotidiano já não nos dá acesso. O seu ponto de partida é aquele da multiplicação dos objetos subsumidos na aparência de unidade de um sabor qualquer. Excelentes exemplos são os azeites, os vinhos e o sal ou a água. Sob esses produtos, desvenda-se a lógica dos varietais orgânicos e dos “terroirs” como fundamentos das diferenças entre as coisas que vão à boca.

Não faz muito tempo, os azeites nos chegavam pela sua procedência: portugueses, espanhóis, gregos, italianos, franceses etc. Quanto à qualidade, eram “refinados”, “virgens”, “extra virgens”, de “primeira prensagem”. Hoje, a indústria do azeite espanhol, por exemplo, consegue diferenciá-los pelas variedades de azeitonas das quais derivam: picual, cornicabra, hojblanca, lechin de Sevilla, empeltre, arbequina, verdial, picudo.

A cada uma dessas aplicam-se as designações de qualidade, multiplicando-se por 32 os produtos que, antes, se reduziam a quatro. Assim, o azeite, a partir do final do século 20, tornou-se coisa múltipla, polifacetada nos usos, e não algo que simplesmente se coloca sobre a salada. Do ponto de vista do consumidor, ele nunca saberá o que está comendo se antes não passar pelo indispensável treinamento que só a degustação dirigida propicia.

Também a uva carmenère, por muito tempo tomada por extinta, foi desentranhada dos vinhedos chilenos por um enólogo francês, que foi capaz de “vê-la” pela aparência distinta das suas folhas, disfarçada entre o que se acreditava ser a variedade merlot. Desse modo multiplicou-se o que antes era o merlot.

Darwin já havia mostrado como o homem opera como selecionador das espécies naturais ao desenvolvê-las sob domesticação, frisando os caracteres que lhe são úteis. As raças de cães são o melhor exemplo desses seres construídos pelo homem.

A novidade atual reside na atenção que o capitalismo dedica à natureza, apontando pequenas diferenças construídas no passado e que não se mostravam úteis, sendo abandonadas ou “esquecidas”; agora, os sentidos precisam ser reeducados para dar conta da multiplicidade mascarada. Exige-se, acima de tudo, refinamento e sutileza analítica, tanto nos laboratórios das indústrias como no prato.

Outra fonte de variedade é a origem ou o “terroir”. A teoria do “terroir” se baseia na noção mágica de que os atributos do lugar –seja a terra, o clima ou o próprio trabalho artesanal de uma comunidade- transmitem qualidades singulares aos alimentos. Nesse caso as variedades valem não pelos caracteres genéticos, mas pela sua adaptação: a variedade shiraz seria distinta na África do Sul, na Austrália ou na França; a malbec, tão bem adaptado à Argentina, teria nascido no lugar errado (Cahor, França) para atravessar o oceano e, finalmente, encontrar o seu verdadeiro lugar; o frango de Bresse (França) seria inconfundível no seu paladar, e assim por diante.

O próprio “mundo inanimado” aparece como múltiplo. Sabemos que, basicamente, existem dois tipos de sal: o sal marinho, que é extraído através da evaporação da água do mar, e o sal de rocha, conhecido como sal-gema, retirado de minas subterrâneas que são mares e lagos pré-históricos que secaram.

A diversidade de origem e de cristalização pode ser retida no produto alimentar. Temos o sal rosa do Himalaia, que é um sal-gema; e os sais marinhos, como o de Guérande, na França, considerado único pelo seu “sabor e aroma”, uma “flor de sal”; o sal escamado da Nova Zelândia, o sal alaranjado das ilhas Aloha e assim por diante.

Num mundo comestível que se multiplicou, as próprias palavras se mostram insuficientes para dar conta da diversidade. É preciso criação lingüística para descrever o novo mundo. O caso do vinho é o mais expressivo. Existe um enorme léxico para descrever o vinho. São mais de 600 palavras ou “descritivos” que funcionam bem no que se refere aos aspectos relacionados com a fisiologia e a percepção sensorial, mas claudicam quando a questão é a tradução terminológica e a comunicação3. A própria iniciação nesse vocabulário toma a feição do aprendizado de uma nova língua. Cursos são pagos para aprender a degustar, discorrer sobre as qualidades do vinho e concluir qualquer coisa a respeito que nos dote de um discurso legitimista.


Significados não explícitos da degustação

Nunca se é o mesmo depois de um curso de degustação. E não se pode dizer que sua função seja apenas formar o novo paladar. Alguns antropólogos apontam uma função pouco nobre para a nova cultura do vinho: ela esconde uma nova política sobre a embriaguez.

Para eles, há em curso uma sibilina tentativa de se combater o alcoolismo através de uma cultura do gosto e, por isso, denunciam a confusão entre alcoolismo e alcoolização –assim como o culto ao terroir, à paisagem bucólica dos vinhedos e a “volta à tradição”- que nos dispensam de discutir a dosagem, o risco calculado, a embriaguez, a alteração dos estados de consciência e o simples fato de que "o consumo de vinho diminui à medida que avança o dos antidepressivos"4.

1 - Seminário “Pensando o consumo hoje: Novas Abordagens”, realizado nos dias 14, 15 e 16 de maio de 2007 na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

2 - “El arte efímero de Ferran Adrià”, no jornal “La Vanguardia”, 6 de julho de 2006.

3 - Ver Carlos Alberto Dória, “Estrelas no Céu da Boca: Escritos Sobre Culinária e Gastronomia”, Ed. Senac, São Paulo, 2006, págs. 174 e ss.

4 - “Le vin, entre hygiènisme et snobisme, l´ivresse oubliée”, entrevista com Christian Escaffre, psiquiatra e alcóologa, e Jean-Pierre Rozon, enólogo do Inra, realizada em 8 de janeiro de 2007: www.agrobiosciences.org/imprime.php3?id_article=2093.

Culinária e alta cultura no Brasil

Carlos Alberto Dória

A sofisticação do gosto é um requisito da sociedade de consumo na medida em que cria novas necessidades e, por isso, paulatinamente, a culinária tornou-se moda entre nós. Uma classe média que se quer mais cosmopolita já não pode continuar no arroz-com-feijão. O mercado de trabalho estreito também empurrou jovens que cursam universidades para esse domínio que acreditam promissor. Se na cozinha antes se ouvia só o batuque de negros (“batuque na cozinha sinhá não quer”, lembra o samba) agora é possível ouvir (e comer) suspiros de mocinhas e mocinhos bem nascidos. Por isso o próprio mercado editorial, mestre em correr atrás dos fatos, apresenta-se pujante nesse segmento.
Boa parte do que se edita sobre culinária, porém, não passa de subliteratura, sem ensejar a reflexão necessária para os principiantes nesta disciplina. São livros que ensinam o que já se sabe, compilação de receitas de pessoas com destaque na mídia (a cozinha de Pavarotti, de Sophia Loren e coisas assim) ou, ainda, obras introdutoras de confusões persistentes, como entre culinária e nutrição (cozinha light, por exemplo).
A falta de tradição reflexiva nesse domínio permite mesmo tudo, como o recente caderno especial da Folha de S. Paulo, dedicada à comemoração nacionalista dos 500 anos de culinária. Ou a imprensa especializada, como a revista Gula, que se destaca por apresentar o comer bem como algo para poucos, um domínio vedado a quem não tem muito dinheiro ou “berço”(as receitas “impagáveis” dos Orleans e Bragança...) e que é capaz de celebrar com ares de grande descoberta o cardápio banal do último baile da Ilha Fiscal.
A cozinha moderna é bastante democrática nos países que originalmente desenvolveram essa tradição no Ocidente, em especial a França e a Itália. Ao contrário da falta de foco entre nós, que ainda tateamos o caminho a percorrer, a culinária é, entre os europeus, reconhecidamente, um domínio da alta cultura pelo menos desde os tempos da Revolução Francesa e nascimento da cozinha burguesa. Mas falar de culinária, assim como falar de música clássica ou de literatura, é abordar um tema que exige conhecimentos prévios que vão além de um simples código sensorial de decifração do que vai à boca.
A culinária é algo mais do que compilação de receitas e modos de fazer, pois trata da educação de um dos nossos cinco sentidos: o paladar. Uma educação que se dá tanto em termos históricos como individuais. Do primeiro enfoque tratou, entre nós, Câmara Cascudo em sua monumental História da alimentação no Brasil. Do segundo, parece que só agora surge obra digna de menção: A saga da comida, de Gabriel Bolaffi.
É curioso: esse livro surge como “divertimento de professor aposentado”, indicando, já de início, que a universidade não admite entre os campos ativos dos saberes a educação do paladar (no entanto nela se abriga a educação da audição e da visão). Mas Bolaffi, além disso, reúne para sua empreitada outras qualidades. Não é apenas o professor aposentado da FAU, nem o sócio pioneiro do condomínio do poder que lhe permite dividir, em Ibiúna, a piscina com o atual presidente da República ou com o ministro da Saúde. Durante muito tempo foi também o ativo dono de um modesto restaurante a beira-mar, na Praia do Perequê no Guarujá (SP), onde sempre se comeu uma comida barata e honesta.
O mais valioso em seu livro é, contudo, a eleição do ponto de vista da narrativa: a cozinha universal sob uma perspectiva brasileira. Bolaffi se debruça sobre o que assimilamos do mundo e do território nativo nesses séculos de breve existência tropical. Percorre a história culinária brasileira com um olhar moderno, postado no limiar do século XXI, sem nacionalismos desnecessários e sem deslumbramento com modismos ou falsas novidades (por exemplo, a descoberta tardia pela burguesia cabocla do tartuffo bianco d´Alba). Ele discorre sobre as matérias-primas com raro conhecimento e ensina a feitura de pratos simples com rara clareza. Neste sentido, é o livro do anti-segredo culinário sem pretender desvendar nada de absolutamente novo. “Meu propósito foi escrever um livro capaz de fornecer receitas claras e eficientes e que ao mesmo tempo ensine o leitor a cozinhar e apreciar o sentido – e às vezes até o sentido histórico – do que está fazendo e do que irá levar à mesa e comer.”5. É extraordinário, por exemplo, o capítulo sobre o arroz: suas variedades naturais, a domesticação, o uso no Oriente e no Ocidente, a cultura no Brasil e, como não poderia deixar de ser, os preparos mais importantes, inclusive dos velhos risotti em moda moderna entre nós a partir da globalização.
Dizia Brillat Savarin em seu Fisiologia do gosto – obra pioneira no desvendar para o “terceiro estado” que os prazeres à mesa não eram um privilégio de nascimento e poderiam ser atingidos através da educação – que tão importante quando a técnica culinária para o sucesso de uma refeição é a conversação que se possa estabelecer sobre o que se come, pois há uma sedução ligada ao comer que não vem da panela. Ao contrário dos demais sentidos que são invadidos por estímulos externos (quando formamos nosso juízo sobre uma música ou sobre um quadro, por exemplo, os sons e as cores já nos sensibilizaram), o paladar necessita de aquiescência prévia: é preciso abrir a boca para que a comida nos invada e sensibilize. Primitivamente, abrimos a boca para a comida que as mães nos apresentam; depois, tendemos a achar que bom mesmo é o que nossas avós preparavam; e se nos aventuramos fora de casa, queremos um chef renomado indicando o que comer. Esta entrega comedida, conservadora mesmo, só pode ser superada quando se atinge um novo patamar de conhecimento sobre culinária e gastronomia – quando penetramos o domínio da alta cultura. Coisas que obras como a de Câmara Cascudo e, agora a de Bolaffi, permitem ao brasileiro de formação média.
Apesar da alvissareira literatura, são várias as barreiras culturais ao desenvolvimento do conhecimento culinário em nosso país. A primeira delas, à qual nos referimos en passant, diz respeito ao lugar mesmo da cozinha na nossa sociedade: lugar de negros, de empregados, de “gente mecânica” ou de “baixa mão” para usar o linguajar colonial -- domínios presididos por segredos. O orgulho e altivez do chef cuisine francês diz do seu lugar no sistema de poder, lugar radicalmente distinto daquele de uma negra quituteira ou de um proletário nordestino, muitas vezes analfabeto, aos quais em geral cabe comandar esse espaço segregado nas casas ou em restaurantes. Mesmo modernamente, quando essa situação social começa a mudar, o olhar sobre a cozinha é um olhar nostálgico, entremeado de lamentações sobre a diluição do passado rural brasileiro. Basta ler qualquer matéria nas revistas culinárias sobre pratos ditos “tipicos” para se entreouvir esta murmuração. A cozinha brasileira não se aburguesou no seu ideal, no sentido em que a francesa ou italiana se libertaram da cozinha cortesã. A própria noção de “segredo culinário” no qual se baseiam muitos cursos de culinária reflete ainda esse modo de pensar. Na tradição ibérica, o “segredo culinário” nasceu nos conventos, envolvendo especialmente a doçaria, quando as ordens religiosas competiam por favores régios. Depois, por extensão, transformou-se em manto a proteger os “cadernos de receitas” das sinhazinhas, que os ganhavam de suas mães como chaves capazes de abrir o coração de seus maridos (a aventura da “conquista pelo estômago”). Hoje o segredo persiste como defesa de tradições de grupos étnicos restritos, como defesa de rituais familiares ou como reles mercadoria de fácil exploração entre os ignorantes da culinária.
Outras barreiras são mais modernas. Assim como a boa literatura está em geral além do best seller, a boa música além das discotecas, o bem comer está além do fast food ou do modismo da fusion cuisine. No primeiro caso, a idéia de se “comer rápido” nada mais é do que a substituição do ritual em torno da mesa pelos ideais de nutrição sadia ou de uma “ração” balanceada visando o trabalhador de colarinho branco. No segundo, um abastardamento de culturas que se colocam em contato a partir da aproximação propiciada pela globalização.
O restaurante Rapongi de New York anuncia-se como promotor de uma mistura de cozinhas japonesa, tailandesa, chinesa e indiana “executadas com técnicas da cozinha ocidental”. O que essa fusion cuisine significa em termos culturais e gastronômicos? Significa, em primeiro lugar, que pretende levar o comensal a uma visitação gastronômica do Oriente à maneira de um percurso turístico. O resultado prático é a desconstrução das totalidades culturais onde se inserem as várias tradições culinárias. Citemos exemplos: a cozinha indiana tem sido realizada no ocidente à base de óleos vegetais, quando no original um repas indiano só pode ser feito utilizando o ghee (equivalente da “manteiga clarificada” na tradição culinária francesa); o feno grego (Trigonella foenum-graecum), uma especiaria altamente tóxica, de sabor amargo, que é um dos ingredientes do curry e aparece também nas conservas da culinária alemã, tem sido utilizada como tempero para saladas na fusion cuisine americana. Assim, a fusion cuisine consegue de fato exatamente o contrário do que pretende: afasta suas vítimas do conhecimento da cultura e culinária de que diz se apropriar e representar.
Este ponto, porém, merece maior atenção de nossa parte. Para além da modernidade da fusion cuisine, um raciocínio similar se formou entre nós a partir de alguns chefs franceses que se estabeleceram no Brasil nos anos setenta. Uma fusion cuisine cabocla -- se é possível formular esta heresia – esboçou-se na prática a partir da releitura de clássicos da cozinha francesa (como a sauce aux agrumes, utilizada no tradicional “pato com laranja”) elaborada com ingredientes tropicais (maracujá, casca de jabuticaba, etc), dando origem a “novidades” bastante duvidosas. Criação culinária não é o mesmo que alquimia, como parece para os neófitos. Talvez a criação de maior sucesso no século XX tenha sido La pêche Melba, origem do sundae que se difundiu por todo o mundo. Auguste Escoffier (1846-1935) a criou ao tempo do Savoy Hotel, em homenagem à diva Nellie Melba que estreava a ópera Lohengrin no Covent Garden. Escoffier foi provavelmente o mais importante sistematizador da cozinha ocidental do século XX; graças a ele a cozinha ganhou a dimensão industrial com a qual se apresenta na hotelaria moderna (redes Carlton, Savoy, Plaza, Ritz, etc.). No entanto, sua grande criação popular não foi além dessa delicada sobremesa: o pêssego Melba com sorvete de baunilha. De seus livros (La guide culinaire – uma obra técnica em linguagem acessível e de valor inestimável -- e Ma cuisine – uma preciosa coletânea de receitas francesas) sequer existem traduções para o português... Mesmo Savarin, cuja importância na história da culinária ocidental é inegável, parece que só nos legou uma única criação culinária: a massa que leva seu nome, utilizada para a preparação do babá au run, que nada mais é do que uma massa de brioche com uma formulação onde varia apenas a quantidade de manteiga. Criação original em culinária é tão difícil como criação musical ou literária.
Este paralelo, aliás, não é sem propósito. A culinária tem a mesma estrutura de uma língua. Trata-se de um sistema simbólico que tem sua sintaxe, seu vocabulário, suas conjugações. O sistema ocidental – conhecido por “culinária francesa” mas que engloba numa mesma lógica as demais cozinhas do ocidente – é radicalmente diferente dos demais sistemas, inclusive o oriental, e entre esses sistemas pode haver enriquecimento vocabular, trânsito de matérias-primas, mas jamais “fusão” ou síntese. Assim como o esperanto não é uma língua, as fusões são arremedos culinários. Entre nós, brasileiros, uma natureza tão pródiga pode aportar contribuições imensas à culinária ocidental, assim como a bossa-nova e o jazz se aproximaram no passado, mas jamais haverá fusão.
Deste ponto de vista, a própria idéia romântica de uma culinária nacional – que é uma transposição para o fogão da lógica de formação do “brasileiro” a partir das contribuições étnicas dos negros, índios e europeus – é mais um devaneio do que uma originalidade culinária. O sistema ocidental configura, em culinária, um espaço de trabalho que é ao, mesmo tempo, um trânsito entre o domínio da natureza (o “cru”-- a ostra, por exemplo) e a cultura, até o limite da deterioração dos alimentos (o “podre” – as carnes “fesandadas”, por exemplo). A culinária – domínio intermediário do “cozido” – corresponde aos vários esforços técnicos para “reter” a natureza transformada no espaço onde se converte em alimento culturalmente determinado. Técnicas como a cocção, os embutidos, a salgação, a refrigeração, a pasteurização, foram se desenvolvendo com o tempo para alongar a vida dos comestíveis. A descoberta do Novo Mundo e o contato com o Oriente ampliaram a quantidade de matérias-primas sobre as quais pode versar o trabalho transformador do cozinheiro. Da mesma maneira, a culinária brasileira não pode ser nada além da culinária ocidental enriquecida pelas matérias-primas locais ou transplantadas para cá junto com os negros. Não há fusão possível, mas sim tendência à homogeneização que enriquece a culinária ocidental e destrói a nativa.
A História da alimentação de Câmara Cascudo embora nos preste um inestimável serviço histórico e historiográfico não abarca qualquer projeto culinário aproveitável. Pelo contrário: a idéia de “folclorização” da cultural (apresentada como contraparte do mundo erudito) se aplicada à culinária nos faz regredir para antes do nascimento da cozinha burguesa na França, pois restaura a dualidade que até então existiu entre “cozinha do povo” e “cozinha dos príncipes”; e se hoje a cozinha burguesa é universal é porque a sua unificação se deu a par da formação do moderno Estado francês e da generalização da cultura democrática. O mesmo se deu com a culinária italiana ou espanhola, sem prejuízo dos regionalismos que nos remetem à culinária camponesa ancestral na França, Itália e Espanha – para citar apenas os exemplos clássicos.
Para a maturidade da arte culinária entre nós muitas pesquisas ainda precisam ser feitas, preconceitos antigos e modernos necessitam ser afastados para que, com simplicidade, se atinja o significado profundo da lição aparentemente simples que Bolaffi professa: “cozinhar é um constante devir de antigas tradições e contemporâneas inovações que podem e devem ser combinadas com saber, arte, bons senso e bom gosto”. Algumas dessas qualidades são inatas, outras aprendidas com esforço e dedicação. Felizmente sabe-se de pesquisas interessantes em andamento, como a do casal Heloisa e Carlos Bacellar que em breve deverão nos brindar com um levantamento histórico profundo sobre a culinária paulista apoiada secularmente em chácaras, quintais e pomares, através de levantamento original que inclui fontes primárias como os inventários e testamentos e a série Documentos interessantes para a história de São Paulo, do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Só assim o amadorismo cederá passo ao profissionalismo e a classe média poderá ocupar novos territórios dentro de casa e em restaurantes. São coisas que nos antecipam obras como a de Gabriel Bolaffi

Carlos Alberto Dória

Um Abismo se Abre à Mesa

Escrito por Carlos Alberto Dória
Tuesday, 22 March 2005
“Se eu mando um camarão no ponto que eu gostaria, não raro o cliente só come o rabo, que está mais cozido, e despreza o resto”, diz, perplexo, o chef Alex Atala.

O fogo do fogão deixa de ser o porto seguro da gastronomia, e os "meio crus" descortinam o conflito entre desejo e repulsa

Cliente sempre tem razão. Devolve o camarão porque está “cru” ou malpassado. Ou então afasta o prato, como a dizer que o animal onívoro é uma ilusão da ciência. Os chefs não sabem o que fazer.

Isabella Masano, a ultrajovem chef do Amadeus - um dos raros restaurantes paulistanos especializados em frutos do mar - também gostaria de fazer uma culinária ultramoderna, mas esbarra na mesma limitação: o “ponto de cocção” do que vem da água.

No geral, o cliente está disposto a defender a tradição. Ele rejeita tudo o que não seja bem cozido. Ou cru, como atesta a proliferação de restaurantes japoneses. Já os chefs, no processo criativo, às vezes precisam romper as fronteiras do estabelecido. A sorte é quando alguém os compreende.

Entre o cru e o cozido -seja lá o que signifique objetivamente cada termo- parece residir um “defeito” de preparação. Mas quando este ponto é buscado intencionalmente não se trata de defeito. O defeito reside onde o trabalho falhou nos gestos que levariam ao resultado planejado, conforme ensinou Marx.

Qualquer gourmet sabe que o "foie gras" revela as melhores qualidades do fígado de ganso ou pato, potencializa seus aromas e sabores sutis, quando cozido a baixas temperaturas por um tempo limitado. O fígado fica “mi cuit” (meio cozido), como se diz.

A carne vermelha sangrenta (“saignant”) é apreciada em quase todas as churrascarias, ainda que não pela totalidade dos clientes. Parece apenas uma “questão de gosto”, jamais um defeito.

Só para carne de porco é imperativo o ponto ultracozido, memória cultural de antigo anteparo sanitário à sujidade bíblica desse animal.

O ponto de cocção dos peixes também possui o seu “saignant”. Ele é óbvio no caso do atum pela sua coloração próxima à da carne de animais de “sangue quente” (e se são “quentes” talvez não requeiram mesmo tanto calor novo...).

Para outros peixes, o ponto é chamado tecnicamente “rose a l’arête” (rosado na espinha) -que é quando o animal parece cru por dentro mas a espinha se destaca facilmente da carne.

Ainda que muito sujeito a controvérsias, o “rose a l’arête” parece inadmissível quando em mariscos ou moluscos... que sequer possuem espinha. Nestes casos, não raro, o que se vê à mesa é a repulsa. Ao gourmet desavisado parece faltar o chão, pois foi empurrado para o abismo.

O que é isso que causa tanto asco, estacionado a meio caminho entre a natureza crua e o antegozo do cozido? Evidente que a questão não diz respeito a saciar a fome, pois ela só existe quando se observa o comportamento gourmand. E facilmente se aceitaria que é uma questão mais afeita à psicanálise do que à gastronomia.

Psicanálise do fogo. Gaston Bachelard dá o mote: “O fogo sugere o desejo de mudar, de apressar o tempo, de levar a vida a seu termo” 1. E o gastrônomo é, como o fogo, um predador voraz.

O seu desejo é um fogo interior que o consumirá se ele não consumir o que o despertou. Ele está sempre em desarmonia com a natureza, e as refeições são gozos que serenam o desvario.

Como escreveu Manuel Vázquez Montalbán, que penetrou tão fundo na alma gourmet, este é um tipo de pessoa que “jamais esquece o nome do morto. E mais, enquanto o come faz menção expressa a ele, seja javali ou alcachofra, e recorda outros assassinatos e devorações (...).

A chamada arte culinária se baseia no prévio assassinato, com toda classe de aleivosias” 2. Ou ainda: “Comer significa matar ou engolir um ser que esteve vivo, seja animal ou planta (...).

Mas, se marinamos a fera para cozinhá-la posteriormente com a ajuda de ervas aromáticas da Provence e um copo de vinho, então realizamos uma deliciosa operação cultural, igualmente apoiada na brutalidade e na morte” 3.

O gourmet é sobretudo um predador covarde.

Não se expõe em campo aberto ao perigo do animal que luta, nem à gosma dos moluscos, e mesmo os vegetarianos parecem animistas piedosos e hipócritas.

O gourmet só se apropria da natureza morta e esta, como tema da pintura, visa celebrar o seu triunfo mesquinho sobre a pulsão vital, através de uma representação metonímica 4.

A ostra viva parece uma exceção. Mas acaso haveria algo mais inofensivo do que a vida da ostra que se esvai enquanto o gourmet pinga sobre ela gotas de limão para surpreender-lhe o estertor?

O limão é a sentença de morte que ele, pessoalmente, administra ao animal trazido ao patíbulo da mesa. Aos neófitos horroriza este ritual que é observar a contração agônica do molusco.

Horror que a vivência e o tempo atenuam. Horror que não se mostra diante do ascetismo do sushi, pois neste a vida foi tão miudamente retalhada que é impossível reconhecer traços da “anima” que se dissipou 5.

Mas a gastronomia é, através das suas modas, expressão do espírito de época.

As "ostras" e as "trufas" só ocuparam o centro da mesa no pós-renascentismo, expulsando as carnes “negras” e pesadas, isto é, com a nova moda que pôs fim às mesas sobrecarregadas de caças de todo tipo, de pirâmides de frangos, vitelas ou cabritos inteiros, tão ao gosto dos barrocos italianos.

Em outras palavras, a reforma do gosto do século XVIII leva ao fim os “ranços góticos” e a “intemperança asiática” da cozinha seiscentista, demasiadamente ligada à herança medieval e ao mundo oriental das especiarias.

São exemplo do aperfeiçoamento dietético os iluministas franceses -“homens-novos” que condenavam os excessos barrocos- e que preferirão se alimentar “de organismos gelados, inertes e semi-cadavéricos, saídos murchos da água ou de bulbos estéreis, inimigos da luz, nutridos pela umidade noturna e lunar do subsolo das vastas florestas outonais.

É singular, mas não paradoxal, que o virtuoso, rigoroso, abstêmio e vegetariano Robespierre (que compartilhava com os ascetas a ‘triste singularidade de só comer ervas’) mandasse sacrificar os bichos reais de Versalhes, decapitando tanto a ondulada silhueta da rainha quanto o grave monarca amante das artes de Vulcano, estudioso das técnicas do fogo” 6.

É possível mesmo que certas filosofias se aproximem de determinadas culinárias 7, o que daria razão aos chefes ultramodernos que costumam batizar de “filosofia” os conceitos simples nos quais apóiam as suas práticas.

Assim, podemos indagar: o que pretende esta cozinha de agora que nos empurra para o meio do caminho entre o cru e o cozido ou, em outras palavras, qual a sua filosofia subjacente?

Mas voltemos à ostra. Tecnicamente, a ostra ao limão não é “crua”. Dentre as formas de “cocção sem fogo” está a submissão do alimento a um meio ácido.

”Marinar” (submeter a um “mar”) é outra forma corrente de transformar o alimento. Também ao bacalhau o sal suga a “anima”, convertendo-o em coisa comestível sem mais delongas.

O álcool vertido sobre a clara do ovo produz uma espécie de “ovo poché”, e a gema batida com açúcar é dita “cozida” pelos pâtissiers.

A coisa salada, desidratada ou coagulada tem passe para o mundo dos “cozidos”. Assim como o calor, outros processos alteram a organização das moléculas, produzindo o mesmo efeito.

Por isso o cozinhar, como sinônimo de “aquecer”, ficou na galeria dos arcaísmos, ao lado da fronteira ultrapassada dos 100 graus centígrados. Só os dicionários sustentam a idéia anacrônica de que a fonte da cocção é o calor 8.

A cozinha ultramoderna tem abraçado processos de transformação em baixas temperaturas, isto é, abaixo de 100 graus, e com resultados bastante satisfatórios, o que abre uma verdadeira avenida para o prazer gastronômico. Isso vem se tornando possível mesmo domesticamente, graças a recentes avanços tecnológicos, como a invenção do Termomix 9.

A ocupação tranqüila desses novos territórios exige as novas filosofias.

No último encontro de gastronomia de vanguarda (Madrid Fusión, janeiro de 2005) um dos chefes mais celebrados submeteu um lagostim a um “vapor” sem água, isto é, a uma panela de vapor aquecida e vazia onde jogou uma pitada de curry para que este aromatizasse o crustáceo.

Em menos de sessenta segundos estava arranjando o lagostim no prato, e ainda se via a sua flexibilidade de coisa outrora denominável “crua”.

Quanto mais se controla a cocção de modo exato, mais fica claro que a passagem pelo fogo também simboliza a “passagem” da natureza para a cultura, ocupando a culinária o centro desse processo de afastamento da pura naturalidade.

É um processo que coincide com a construção de uma “segunda natureza”, apoiada na técnica, nos instrumentos, na linguagem e no próprio fogo controlado; e as mitologias dos povos sempre organizam algum discurso sobre essa passagem, em geral como fruto da intervenção de um herói criador 10.

No pólo oposto à cozinha está a podridão, o terreno no qual o alimento desliza, de modo lento ou rápido, de volta à natureza, decompondo-se, pela ação dos fungos e bactérias, nos elementos minerais que antes estavam organizados.

Os gourmets tentam ainda, desesperadamente, segurá-lo no despenhadeiro por onde se precipitam, celebrando a culinária da coisa “faisandé”.

Ao controlar o processo de deterioração, a própria cultura ampliou as suas fronteiras, incorporando mais natureza. Também por esta vertente há uma história.

Descobriu-se a penicilina, a “podridão nobre” dos vinhos de Sauternes, os queijos etc. Pasteur é, inegavelmente, um herói criador moderno. Foi ele quem nos deu as conservas duradouras.

Como para as descobertas de Pasteur, as investigações sobre a cocção a baixas temperaturas também tiveram uma motivação prática: era preciso eliminar as salmonelas encontradas dentro do ovo, sem destruir o ovo poché.

Os ingleses não viveriam felizes sem o seu ovo quente matinal, e a gastronomia -como a política- visa a administração da felicidade.

À meditação em torno do ovo contaminado se deve a ocupação culinária do território gastronômico que se aninhava entre os 60 e 100 graus centígrados. Hoje, muitos chefs se notabilizam por explorar esta faixa térmica.

Desenvolve-se aí, por exemplo, a cozinha no vácuo. A invenção de instrumentos como o Termomix é apenas um desdobramento tecnológico dessa nova necessidade.

Outros chefs, diante da queda das barreiras térmicas, já exploram o território do ultrafrio (a cocção em nitrogênio líquido), como se buscassem o antifogo.

Certamente, das profundezas do freezer, será necessário arrancar e descongelar uma nova filosofia...

Mas a inclusão de peixes e crustáceos na “terra-do-meio” que é o domínio do “meio cru” diz respeito à preparação cultural da sociedade, e não apenas à criatividade e à inquietação do chef. E o animal só é levado à “terra-do-meio” porque entre nós, ocidentais, as fronteiras da cultura são relativamente móveis.

Um crustáceo, despido do seu exosqueleto, se nos revela como um verme com excessiva liberdade, uma potência ameaçadora. Amornado, dissimula o propósito de nos comer por dentro, mas não engana o astuto.

E só sentimos segurança quando ele está paralizado pelo rigor cadavérico que a cocção profunda impõe. O fogo, que leva a vida ao seu termo, nos salva, mas se a cocção pára a meio caminho parece que a natureza irá nos devorar triunfalmente.

Aí, o gourmet não come. Simplesmente afasta o prato. Como o personagem humilhado de um conto de Clarice Lispector.

Mas tudo é uma questão de tempo. Não há humilhação que o gourmet não olvide em troca de algo memorável na sua galeria de morticínios.

Carlos Alberto Dória, é sociólogo e ensaísta, autor, entre outros livros, de "Ensaios Enveredados", "Bordado da Fama" e o recém-lançado "Os Federais da Cultura" (ed. Biruta).

1 - Gaston Bachelard, “A psicanálise do fogo”, Martins Fontes, São Paulo, 1999, pág. 25.

2 - Manuel Vázquez Montalbán, “Contra los gourmets”, Mondadori, Barcelona, 1997, pág. 9.

3 - Manuel Vázquez Montalbán, “Las recetas de Carvalho”, Planeta, Barcelona, 2004, pág. 7.

4 - Neste ponto o chef parece se distanciar do gourmet. Ainda que parta da natureza morta, o seu trabalho tem o sentido de conferir-lhe um novo sopro de vida, emprestando a ela uma alma fugaz que possa ser devorada.

5 - Interessante descrição de um animal digno do livro dos “seres imaginário” de Borges, cuja anima não se esvai, mesmo quando retalhado, nos oferece Manoel Soares de Sousa (“Tratado descritivo do Brasil”, 1587) ao falar da “buijeja”: "São do tamanho de uma lagarta de couve, o qual é muito resplandecente, em tanto que estando de noite em qualquer casa, ou lugar fora dela, parece uma candeia acesa, e quando anda é ainda mais resplandecente. Tem este bicho uma natureza tão estranha que parece encantamento, e tomando-o na mão parece um rubi, mui resplandecente, e se o fazem em pedaços, se torna logo a juntar e andar como dantes; e sobre acinte se viu por vezes em diferentes partes cortar-se um destes bichos com uma faca em muitos pedaços, e se tornarem logo a juntar; e depois o embrulharam num papel durante oito dias, e cada dia o espedaçavam em migalhas, e tornava-se logo a juntar e reviver, até que enfadava, e o largavam".

6 - Piero Camporesi, “Hedonismo e exotismo”, Editora Unesp, São Paulo, 1990, pág. 52.

7 - É o que sugere Josep Muñoz Redón, “La cocina del pensamiento”, RBA Libros, Barcelona, 2005

8 - Do ponto de vista material, as transformações moleculares do “cozinhar” podem ser obtidas por interferências físicas ou químicas. Hervé This, conhecido como o “cientista da cozinha”, propõe “cuire” e “coction” como termos que permitam diferenciar os processos onde o calor é o fator de transformação daqueles por “cocção a frio”, isto é, por meios químicos.

9 - Este equipamento revolucionário pode ser visto em http://www.thermomix-es.com/index.htm.

10 - Entre tribos brasileiras, o “preço” dessa passagem é a perda da imortalidade e o ingresso na “vida breve”, quando nos mantemos vivos comendo o alimento (mandioca) dado pelo herói criador. Cf. Lévi-Strauss, “O cru e o cozido”, Cosac & Naif, São Paulo, 2004.

Entrevista Alex Atala

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Alan Rodrigues

Brasileiríssimos: algumas
receitas de Alex Atala


Personagem
Tem tucupi no Terroir

Às vésperas de liderar a semana da
cozinha brasileira na França, o chef
Alex Atala explica sua busca obstinada
por uma gastronomia nacional
Eduardo Marini

Muitos torcem o nariz para a idéia de se criar um conceito de alta gastronomia brasileira. Mas, entre os defensores da tese, o mais entusiasmado é o chef Alex Atala. Ex-DJ, ex-pintor de paredes na Europa, ex-estudante de hotelaria e gastronomia na escola belga Namur, esse paulistano de 37 anos, cabelos ruivos e corpo tatuado utiliza no seu restaurante, o D.O.M., em São Paulo, técnicas clássicas européias para potencializar o sabor dos ingredientes nacionais. Depois do sucesso de seu belo livro de pesquisas e receitas, Alex Atala – por uma gastronomia brasileira (Bei Editora, dois volumes, R$ 155), ele se prepara para lançar um estudo ainda mais ambicioso sobre as regiões produtoras de alimento no País, coisa que a turma do ramo gosta de chamar de terroir. Nesta entrevista a ISTOÉ, Atala, que em julho embarca para liderar uma semana de gastronomia brasileira na França, falou das origens dos ingredientes às técnicas para se refogar um feijão e fazer um singelo ovo frito.

ISTOÉ – Como definir a culinária brasileira?
Alex Atala – É de terra, de terroir. Típica, diversa, perfumada, mas também com forte marca primitiva. Fotógrafos reclamam que pratos brasileiros não dão boas imagens. Isso ainda é em parte verdadeiro, mas hoje há chefs que sabem explorar o sabor e a imagem desses pratos. Esse para mim é o verdadeiro sentido de gastronomia: usar técnicas clássicas para potencializar o valor dos produtos poéticos que temos. Cará, tapioca, mandioquinha, sagu, palmitos nativos, abóbora, banana, goiaba, tucupi (o leite da mandioca), jambu (erva da região Norte que provoca sensação de dormência na boca), tudo isso pode gerar combinações delicadas. Os chefs franceses radicados aqui usam esses ingredientes dentro da lógica da cozinha deles. Eu tento ajudar na criação de uma imagem de alta gastronomia brasileira e de uma linguagem universal a partir da combinação e da manipulação desses ingredientes.

ISTOÉ – No seu livro, você diz que nada do que havia na cesta de Carmen Miranda era exclusivamente brasileiro.
Atala – Verdade. Algumas frutas têm até origem tropical, mas não unicamente brasileira. A manga veio da Índia, o coco e o abacaxi são tropicais de origem asiática. A melancia é américo-mexicana. E a banana... bem, yes, nós temos bananas sim, mas as pesquisas mostram que os asiáticos tiveram antes.

ISTOÉ – Em julho, você será recebido no restaurante do Hotel Meurice, em Paris, do mesmo grupo do Plaza Athénée, para produzir uma semana de gastronomia como parte do ano brasileiro na França. O que vai fazer?
Atala – Vou trabalhar com ingredientes da Amazônia, que oferece um imenso potencial de exploração e desenvolvimento. No restaurante, sirvo um peixe com um tucupi que leva jambu, mas o resultado é suave. Estou feliz porque ligaram dizendo que já não há mais vagas.

ISTOÉ – Qual é a maior qualidade da cozinha brasileira?
Atala – O seu caráter exclusivo. Mandioquinha lembra mandioquinha, quiabo parece quiabo. Essa cozinha foi desdenhada, mas as coisas estão mudando. O (catalão) Ferran Adriá (um dos mais badalados chefs da atualidade, dono do El Bulli, em Girona, e amigo de Atala), acredita que o futuro da gastronomia mundial passará necessariamente pelo Brasil e pela China.

ISTOÉ – Como você conseguiu domar aquele batatão chamado cará?
Atala – Costumo servi-lo na forma de purê, com confit de pato, stinco de cordeiro
ou outra opção. O cará tem um ponto de cremosidade intermediário entre a mandioca, com liga poderosa, e a batata, mais leve. O trabalho maior foi achar o ponto ideal para o purê.

ISTOÉ – O que é preciso para fazer um bom feijão em casa?
Atala – É o típico caso em que menos é mais. Bacon, sal, louro e alho resolvem. Não encho de temperos. Também não queimo o alho, como muitas donas-de-casa fazem. Anula o sabor da maioria de seus óleos essenciais e dificulta a digestão. Há quem goste de feijão com coentro. Fica bom, mas ele deve ser usado fresco e com parcimônia, porque tem personalidade e cansa rapidamente o paladar. Em casa, resolvo 90% dos problemas com alho, cebola, sal, louro, manteiga, azeite, óleo e duas ou três dessas ervas frescas mais comuns. Se puder, prefira óleo de canola ou de milho ao de soja, que deixa gosto residual.

ISTOÉ – E o arroz?
Atala – O mesmo pensamento: sal, um pouco de cebola, água potável e um abraço. É uma burrice o brasileiro abandonar o arroz com feijão, como está ocorrendo.

ISTOÉ – Sem alho?
Atala – Prefiro arroz sem alho. Assim, o sabor dos outros pratos surge de
forma mais harmônica, sem confusões na boca.

ISTOÉ – Batata frita.
Atala – Óleo bem quente e batata em pequena quantidade, descascada e cortada
na hora, sem ser mergulhada na água, para não perder sabor e textura. As pessoas mergulham verduras e legumes na água. Não sabem como isso rouba sabor e interfere na textura.

ISTOÉ – Você tem três filhos. O que a família Atala come quando bate aquela
fome e a preguiça para sair ou fazer algo mais elaborado é total?
Atala – Uma carne ou um peixe grelhado com a maior simplicidade possível – sal, folhinhas de erva e um filete de azeite. Outra coisa que rola muito é um ovinho...


ISTOÉ – Bem lembrado. E o segredo para um
bom ovo frito?
Atala – Lá em casa acham um ovinho frito com pão um atalho para o céu. Concordo plenamente. O segredo: superfície antiaderente, fogo o mais baixo possível e manteiga clarificada – se não houver, misture um teco de azeite na comum sem sal, para aumentar o ponto de resistência às altas temperaturas e impedir de queimar. O fogo brando serve para o ovo cozinhar lentamente por baixo, deixando a clara úmida, a gema levemente firme na base e mole no alto, a manteiga dando sabor. Há quem goste de duas ou três gotas de molho inglês, mas nós somos do grupo dos que consideram o ovo fiel e monogâmico – ou seja, ama apenas e para sempre o sal.

ISTOÉ – Impossível evitar a vontade de comer
ovo. Salada...
Atala – Ingredientes frescos e temperados pouco antes de servir. Prefira comprar um pé de verdura inteiro do que trazer do mercado aquelas folhas separadas e lavadas, que mudam de sabor e duram pouco. A estrutura dos pés contribui para que esses alimentos durem mais.

ISTOÉ – A comida é o melhor caminho para conhecer um povo?
Atala – Em qualquer lugar do mundo, não há ponto de interseção melhor
entre natureza e cultura do que um prato de comida, uma garrafa de vinho
e uma turma comendo feliz.




O advento da gastronomia materialista
Visita do físico-químico Hervé This mostra atraso brasileiro na compreensão dos fenômenos culinários

Diante de uma platéia apinhada de chefes de cozinha, estudantes de gastronomia, jornalistas e curiosos, o físico-químico Hervé This lançou o seu repto: “O que acontece se colocarmos a maionese no forno de microondas?”. E, diante do silêncio: “Vocês estudam numa das mais importantes faculdades de gastronomia do país e nunca experimentaram para ver o que acontece?”.

Parecia mais uma piada desse hiperativo showman que viaja o mundo proferindo cerca de 150 conferências por ano e possui mais de 1.500 artigos publicados, tudo para divulgar a sua “gastronomia molecular”. Por isso ele sabe exatamente como a platéia reage a cada uma das suas provocações e pode utilizar o método do “estranhamento” para sensibilizar os seus ouvintes. No palco, ele faz o experimento e, quando abre o microondas, vemos o resultado que, então, parece uma obviedade.

Claro, a maionese não precisa ser salgada; pode ser doce. Nem precisa ter gema de ovo; pode ser feita com a clara, ou simplesmente com gelatina. Tampouco é preciso que o óleo seja de oliva; o elemento gorduroso pode ser um chocolate derretido, e assim por diante, para espanto de todos. O princípio é simples: são todos casos de emulsões de proteína, água e gordura.
19/11/07
Carlos
Comemos apenas sistemas dispersos

Hervé This conta com exatidão que em 16 de março de 1980 pretendeu fazer um prosaico suflê de queijo e se socorreu de uma receita culinária da revista “Elle”. A receita dizia para adicionar as gemas duas a duas. Depois de experimentos, viu que essa orientação não tinha sentido, e decidiu então estudar os ditos culinários, que ele chama de “precisões culinárias”, ou seja, tudo aquilo que corresponde aos métodos, dicas e mitos, que assumem a forma de determinações categóricas das receitas.

Elas, de fato, estão por toda parte. Se observarmos uma edição do nosso “Dona Benta”, de 1950, verificaremos as seguintes jóias: “Se quiser que os ovos rendam mais, bata primeiro as claras e depois junte as gemas”. Ou, ainda: “Os bules de prata ou de qualquer outro metal polido e brilhante tornam melhor o chá, porque conservam por mais tempo uma temperatura elevada”.

Hervé This se associou ao físico húngaro Nicholas Kurti, que tinha como hobby a culinária, e, juntos, constituíram a nova disciplina: a gastronomia molecular. O seu objeto de estudo se compõe das precisões culinárias, sendo que, ao longo do tempo, Hervé colecionou 25 mil delas, criando um banco de dados que, em breve, aparecerá no site da instituição à qual está vinculado, o Inra (Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas, órgão público francês equivalente à nossa Embrapa).

A metodologia de estudo que a dupla de cientistas desenvolveu é simples: tudo o que comemos são apenas sistemas dispersos, chamados colóides. Suas propriedades foram estudadas por vários físicos, inclusive Einstein. Tais sistemas entremeiam e estabilizam, por mecanismos físico-químicos, vários estados da matéria. Assim, do ponto de vista físico, temos líquidos associados a gases, sólidos em gases, gases em líquidos, líquidos em líquidos, sólidos em líquidos, gases em sólidos e sólidos em sólidos. As emulsões são um exemplo claro disso. O leite, por exemplo, é uma emulsão.
Ora, se a matéria se organiza dessa maneira, as produções culinárias nada mais são do que fases num continuum de transformações físico-químicas, bastando estabelecer onde começa e onde termina essa seqüência de interações moleculares, conforme as receitas indicam, para estarmos diante da “cozinha” e seus mistérios.

O que Hervé This faz é “modelizar” as receitas, isto é, transformar o seu enunciado em algo que possa ser executado sob controle, como um experimento qualquer, separando a sua parte útil daquelas afirmações que carecem de sentido prático ou são verdadeiros equívocos a respeito de como se comportam os fenômenos de transformação da matéria. Confrontando o ponto de partida de uma receita com o seu resultado, explicitam-se as indicações pertinentes e as impertinentes de uma receita.

Um exemplo muito simples. Hervé teve oportunidade de comer a indefectível feijoada que sempre se apresenta aos estrangeiros. Especulou sobre o modo de fazer e formulou a seguinte questão: “Por que vocês, brasileiros, colocam cachaça na feijoada se é um álcool volátil, que evapora totalmente?”. Ele fez o experimento de evaporar um copo de cachaça e demonstrou que, no final, restavam apenas vestígios de caramelo. “Então por que não colocam apenas uma colherinha de caramelo na feijoada? Ou, se acham que a madeira dá gosto, um pedaço de madeira diretamente dentro da feijoada, retirando-a ao final?”.

Sua tese subjacente também é inquietante: 80% da energia gasta nos processos culinários tradicionais se perde totalmente. As formas das panelas, a evaporação inútil, o trabalho de produção da cachaça, nosso próprio trabalho, encerram um desperdício enorme e, além disso, contribuímos involuntariamente para o aquecimento do planeta. Um simples ovo, por exemplo, fica muito melhor se cozido a 64º C -coisa que os principais chefs de cozinha já assimilaram e propagam em todos os cardápios como o “ovo perfeito”.
Ora, se formos levar a sério os ensinamentos da gastronomia molecular todas as receitas precisarão ser testadas de uma ótica científica, os livros de culinária deverão ser reescritos, as faculdades de gastronomia necessitariam ser refundadas e os críticos de gastronomia precisariam recalibrar seu olhar cético, reciclando-se nos livros de química e física para poder julgar se os chefs extraem da matéria, de fato, o melhor que ela pode dar para a satisfação e o prazer humanos.

É claro que nada disso acontecerá, ao menos de imediato, pois assim como os íons se ligam uns aos outros, também a tradição está solidarizada por interesses econômicos, preconceitos, desconfianças e, claro, uma crença remanescente na magia.


Nós não comemos símbolos

Talvez o impacto mais profundo da gastronomia molecular sobre a cultura culinária seja mesmo a discussão sobre o que fazer com aquela parte “inútil” das receitas -as “precisões”, os truques, os ditos tradicionais. Damos risada quando ouvimos que mulheres menstruadas não conseguem fazer bolos (“embatumam”) ou “desandam” maioneses, mas ainda acreditamos que, ao fazer uma emulsão, os ingredientes devem estar na mesma temperatura.

Ora, o que fazer com os conhecimentos tradicionais de nossas avós, que nos ensinaram seus “segredos” numa cadeia de transmissão da tradição que, em grande parte, nada mais são do que uma coleção de equívocos sobre como chegar a um bom resultado? O que farão os antropólogos que acreditam que só se consegue preservar o bom acarajé se preservarmos sobretudo as “baianas do acarajé”, inclusive com seus trajes, tabuleiros e técnicas do século 19?
Claro, tudo isso é muito poético, mas é preciso reconhecer que não comemos símbolos. Os símbolos se origina sobre uma materialidade qualquer, visto que as idéias não se apóiam no ar. Portanto o tratamento culturalista da culinária precisa se realinhar com o novo conhecimento aportado pelo desvendamento dos processos físico-químicos subjacentes a qualquer ato simbólico. É claro que a alimentação constitui símbolos identitários, como toda sorte de linguagem, mas o mundo não acabou quando se descobriu que a terra girava em torno do sol.

Os relativistas dirão: a química é equivalente ao pensamento mágico dos Ianomami enquanto explicação do mundo, inclusive do que se passa na cozinha. Não será a primeira nem a última vez em que a universalidade das ciências físicas e químicas é contestada. Mesmo assim, conhecendo exatamente como se dá a coagulação da clara e da gema do ovo, insistiremos nos velhos métodos? Ao descobrir que a carne ficará tenra numa cocção prolongada a baixa temperatura, insistiremos nos assados que destroem as suas melhores características?

É preciso perceber também que uma concepção materialista do cozinhar é oposto ao glamour sob o qual se apresenta a gastronomia atual. Ou, em outras palavras, uma nova glamourização precisará se desenvolver a partir de bases técnicas e tecnológicas renovadas se quisermos manter a sedução do comer na sua forma moderna, pois é evidente que as relações sociais sobre as quais se apóia a alimentação são mais importantes do que o conhecimento físico-químico sobre os processos empíricos do fazer culinário. Mas a velha “arte” culinária precisará se renovar, sob pena de parecer um estilo rococó à luz de um estilo Bauhaus.

A renovação esperada

Hervé This veio ao Brasil para lançar uma edição especial da revista “Scientific American Brasil” sobre “A ciência na cozinha”. Suas palestras, assistidas por mais de 1.200 pessoas, ajudaram muito a desfazer confusões.
Por exemplo, aquela que normalmente se estabelece em torno da aproximação dos resultados das suas pesquisas com a “culinária molecular”, que é o termo que ele mesmo cunhou para designar as aplicações feitas por chefs de vanguarda, como Ferran Adrià, em suas famosas “espumas”, “esferificações” etc.

Adrià, cujo senso de oportunidade é notável, logo percebeu que no centro da nova culinária está a pesquisa e a experimentação. O seu famoso “taller” nada mais era do que uma unidade de investigação de processos físico-químicos e suas aplicações na construção de alimentos modernos.

Pouco se sabe sobre a química dos nossos produtos autóctones, como as frutas da Amazônia, as variedades da mandioca etc. Sequer sabemos se o modo de fazer o pão de queijo é o melhor possível. O que dizer sobre a construção da própria qualidade do leite, hoje em crise, ou do prosaico queijo minas? A tradição não garante a qualidade, é apenas o ponto de partida da sua investigação e desenvolvimento num processo que, é claro, poderá reafirmar a “sabedoria” de muitos procedimentos datados de longo tempo. Sem a investigação jamais se chegará a estas certezas.

Hervé This é de opinião que a culinária tradicional européia é ainda, em boa medida, comandada pela Idade Média. Nós, que tanto discutimos sobre as origens ibéricas em vários domínios da cultura, precisamos agora passar a considerar essa vertente da formação nacional também na cozinha.

Um livro recente de Cristiana Couto (“Arte de Cozinha”, Senac, 2007) bem mostra como, dentro dos nossos primeiros livros de cozinha, viajavam os velhos livros de cozinha da tradição portuguesa e, dentro desses, os livros franceses. A formação culinária é apenas mais um caso de difusão cultural, embora os historiadores, sociólogos e antropólogos brasileiros só agora comecem a se dar conta disso.
Do ponto de vista da gastronomia molecular, a novidade será o curso regular que a Esalq-USP passará a oferecer, a partir de 2008, sob essa denominação. Ainda que com uma defasagem de mais de 15 anos, é de se esperar que cientistas e chefs brasileiros, debruçados sobre produtos autóctones, possam lançar a luz da ciência sobre o que comemos há séculos.


Publicado em 12/11/2007

Carlos Alberto Dória
É sociólogo, doutor em sociologia no IFCH-Unicamp e autor de "Ensaios Enveredados", "Bordado da Fama" e "Os Federais da Cultura", entre outros livros. Acaba de publicar "Estrelas no Céu da Boca - Escritos Sobre Culinária e Gastronomia" (ed. Senac)

10 Melhores Restaurantes do Mundo


publicado em 31/10/2006
Em março último, a respeitada revista britânica Restaurant divulgou o ranking das 50 melhores casas gastronômicas do mundo. A seleção feita por chefs renomados e críticos da área parece ter dado uma importância a mais aos restaurantes que investem em cozinhas de vanguarda. Isso porque apesar de existir há alguns anos, a chamada nova cozinha ou culinária molecular é a característica comum de grande parte dos melhores, entre eles o El Bulli e o The Fat Duck, que ocuparam as primeiras posições.

Pouco conhecida no Brasil, a gastronomia molecular ainda não possui nenhum restaurante adepto - a não ser o D.O.M., de Alex Atala, que começa a fazer seus experimentos e, não por acaso, aparece em 50º lugar no ranking.

Para aqueles que, um dia, terão a oportunidade de conhecer esses redutos da alta cozinha, eis uma chance de organizar o roteiro. Para aqueles que não, fica aqui a dica e as fotos dos dez melhores restaurantes do mundo.

1º lugar: El Bulli

Cala Montjoi, s/n, Barcelona
Fone: (+34) (3) 972150457
Fax: (+34) (3) 972150717
www.elbulli.com
Francesco Guillamet
Vista de um dos terraços
mais concorridos do mundo

Comandado pelo concorrido chef Ferran Adrià - que chegou a ser comparado ao também catalão Salvador Dalí, mas no mundo das panelas - o El Bulli é o centro da cozinha experimental no mundo, caracterizada pela chamada gastronomia molecular. Com aparelhos que mais parecem pertencer a um laboratório, o chef-pesquisador ousa misturar ingredientes que historicamente não combinam para criar pratos surpreendentes.

Ravioli líquido, gelatinas quentes, foie gras pulverizado, algodão-doce sabor menta, sorvete de alcachofra e as copiadas espumas salgadas são apenas algumas das receitas do menu - que, aliás, pode ser literalmente degustado pelos clientes. Tais inovações acontecem há mais de uma década e originaram equipamentes modernos, como a máquina de azeite caramelizado: uma furadeira com um pequeno cilindro na ponta, que gira quando ela é ligada e enrola o fio de azeite, transformando-o em um anel para ser colocado no dedo e lambido (!).
Francesco Guillamet
Bolota de água com baunilha
by Ferran Adrià

Pelas extravagâncias e pelo nome respeitável do chef, o El Bulli, que fica em Barcelona e já possui outras filiais em hotéis pela Espanha, é disputadíssimo. Para se ter uma idéia, não é mais possível fazer reservas neste ano - até porque a casa só fica aberta entre abril e setembro. Nos outros seis meses do ano, Ferran Adrià permanece trancado em sua cozinha-laboratório aperfeiçoando e criando novas receitas.


2º lugar: The Fat Duck

High Street, Bray, Berkshire, SL6 2AQ, Inglaterra
Fone: (+44) (0) 1628580333
www.fatduck.co.uk


Autodidata, Heston Blumenthal criou seu The Fat Duck para ter um local onde pudesse experimentar suas idéias nada tradicionais na cozinha. Assim, das receitas francesas que inauguraram o menu da casa, pulou para pratos nem um pouco convencionais, mas que fizeram a fama do restaurante e deram a ele o status de cozinheiro-alquimista.

Apesar de estranhas, a bolota de espuma de limão e chá verde servida à mesa em um pote de nitrogênio líquido (foto) e o já tradicional sorvete de bacon defumado com ovos, são receitas estudadas e minuciosamente combinadas em seu laboratório. Um dos pioneiros da chamada cozinha molecular, ele sempre se interessou por entender os fenômenos pouco questionados da culinária tradicional. E foi durante essas pesquisas que Heston descobriu a semelhança entre sabores e texturas nunca antes combinados.
Uma das excentricidades da cozinha molecular

Por isso mesmo, quem prova os pratos do restaurante que também não oferece mais reservas para este ano, garante que, mais que diferentes, eles são deliciosos. Com um serviço de alta gastronomia impecável, não é à toa que o inglês The Fat Duck aparece como o melhor do mundo por dois anos e divide em 2006 o posto com o também experimental El Bulli.

3º lugar: Pierre Gagnaire

6 Rue Balzac, 75008 Paris, França
Fone: (33) (1) 58361250
www.pierre-gagnaire.com
O chef Pierre Gagnaire, que dá nome ao seu restaurante, é a prova de que a clássica gastronomia francesa também se rendeu à cozinha experimental. Com arquitetura moderna, a casa oferece em seu cardápio misturas inusitadas entre doces, salgados, picantes e o que mais for submetido ao seu laboratório.

Com toques de culinária internacional, em especial a oriental, o chef reconstrói o sentido da cozinha francesa e moderniza seus pratos, como o básico filé de frango servido com pimenta chinesa e com coxas cozidas em molho cítrico e bolas de musse de escalope.

4º lugar: French Laundry

6640 Washington Street, Yountville, 94599, California - EUA
Fone: (1) (707) 9442380
www.frenchlaundry.com

Sob o comando do renomado chef Thomas Keller - também responsável pelo Per Se em Nova York - o badalado French Laundry só aceita reservas com dois meses de antecedência. O menu tem preço fixo para cinco ou nove cursos, compostos pela culinária americana, mas com nítida influência francesa.
Para não fugir à tendência, o quarto melhor restaurante do mundo também prepara algumas de suas receitas de modo extravagante - da mesma maneira com que são servidas - e possui um cardápio que é alterado conforme as temporadas de cada ingrediente.

Mas o que parece atrair mesmo a atenção dos críticos e dos apreciadores da boa culinária é o ambiente da casa, rodeada por um campo de flores e abrigada em uma clássica mansão de pedra construída em 1900.

5º lugar: Tetsuya's

529 Kent Street, Sydney NSW 2000, Austrália
Fone: (61) (2) 9267 2900
Fax: (61) (2) 9262 7099
www.tetsuyas.com

Considerado o melhor restaurante de toda Ásia e da Austrália, o restaurante comandado pelo chef Tetsuya Wakuda prima pela filosofia japonesa, baseada na tradição gastronômica francesa. Preparados com ingredientes sempre frescos - conforme alerta o site da casa -, a ostra do Pacífico da Tasmânia com arroz e o sanduíche de ovo com caviar abrem o cardápio, que ainda inclui o filé marinado com limão em arroz de sushi e tataki com rosemary e mel.

Aberto há quase 20 anos, o Tetsuya's tem ambiente tipicamente japonês, com salas privativas que podem ser reservadas para grupos, dispostos a pagar cerca de U$ 180,00, sem as bebidas, para experimentar uma das melhores delícias do mundo.

6º lugar: Bras

Route de l'Aubrac, 12210, Laguiole, Aveyron, França
Fone: (33) (565) 511820
Fax: (33) (565) 484702
www.michel-bras.com

Em um cenário formado por campos cheios de ovelhas e casas antigas, o Bras, pilotado pelo chef Michel Bras, é um reduto da tradicional cozinha francesa. Com o objetivo de transmitir sensações que se relacionem ao clima da região, o chef consegue fidelizar seus clientes com pratos de classe preparados com rigor.

Os detalhes futuristas da casa contrastam com a sensibilidade das receitas, que variam entre a refinada torta de funghi de Aubrac com nozes, ervas finas e salada da época e a sobremesa que demorou dois anos para ser desenvolvida: pequeno bolo de chocolate recheado com ganache quente.

7º lugar: Le Louis XV

Hotel de Paris, Place du Casino, Monte Carlo, 98000, Monaco
Fone: (377) (92) 163001
www.alain-ducasse.com

A entrada no imponente restaurante, que segue a época ao que o nome Louis XV remete, pode dar a impressão de que os pratos a serem servidos serão clássicos da culinária francesa. As entradas do cardápio, como o purê de aspargos coberto com uma camada de queijo fresco, confirmam a idéia.

No entanto, a cozinha do estrelado chef Alain Ducasse não deixa de preparar surpresas, que vão muito além das receitas com os típicos foie gras e caviar beluga. Os pratos mediterrâneos e os intestinos de peixe, uma das especialidades do local, são servidos com tomate e, dizem, também são uma das delícias da casa.

8º lugar: Per Se

10 Columbus Circle, Time Warner Centre, Nova York, EUA
Fone: (1) (212) 8239335
www.perseny.com

O chef Thomas Keller aparece por duas vezes no ranking dos melhores: em terceiro com o premiado French Laundry e em oitavo com o Per Se, uma das paradas gastronômicas obrigatórias de Nova York. As delícias do restaurante são servidas por um preço fixo, que dá direito a algumas degustações do menu americano.

O ambiente de decoração moderna também oferece outras um salão, uma adega, um quarto privado para 10 pessoas e 15 mesas dispostas em direção à disputada vista do Central Park, símbolo da cidade.

9º lugar: Arzak

Av. Alcalde Jose Elosegui, 273 - 20015, Donostia, San Sebastian, Espanha
Fone: (943) 278 465
www.arzak.es
Pompa de fresas do Arzak

O chef Juan Mari Arzak faz questão de salientar o clima família de seu restaurante, que passou de geração em geração até chegar ao seu bem-sucedido comando. Dependendo da sorte do cliente, é possível avistar os Arzak jantando em uma mesa especialmente montada para determinadas ocasiões dentro da cozinha envidraçada do restaurante.

Os pratos são preparados segundo a nova cozinha basca, como o próprio chef costuma dizer. As receitas, aliás, não são guardadas a sete chaves e o único segredo é o "carinho", como bem diz o familiar site da casa. Entre os pratos, a pompa de fresas (foto), feita com as frutas da temporada.

10º lugar: Mugaritz

Otzazulueta Baserria, Aldura Aldea, 20 zk, Erreteria, País Basco, Espanha
Fone: (34) (94) 3522455
www.mugaritz.com
Tagliatelle con ragu y tordo en brocheta:
um dos pratos do Mugaritz

Com pouco mais de 30 anos, o chef Andoni Luis Aduriz é chamado de "o cozinheiro mais harmonioso do mundo". Sua cozinha é resultado da mistura entre ingredientes comuns, como bacalhau, pimentões e lulas, e nem tanto, como a filosofia. É observando os alimentos que o chef decide o que fazer com eles. E a decisão, às vezes, é a mais simples possível, como servir o tomate apenas fatiado.

Como todo grande restaurante, o basco Mugaritz também tem suas excentricidades - talvez resultadas da convivência com os amigos Ferran Adrià e Alex Atala. As lulas, por exemplo, são exibidas vivas para o cliente e, depois, voltam para a mesa com a própria tinta e cobertas com queijo feito de leite de ovelha.

50º lugar: D.O.M.

Rua Barão de Capanema, 549, Jardim Paulista, São Paulo, Brasil
Fone: (55) (11) 3088-0761
www.domrestaurante.com.br


Eis o brasileiro D.O.M. na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo. Com as panelas sob direção do chef Alex Atala, a casa oferece um cardápio de bases clássicas, com ingredientes brasileiros, mas que não deixa de flertar com a cozinha molecular de Ferran Adrià e Heston Blumenthal.

Não é apenas o nome do restaurante que alude aos monges beneditinos. A filosofia deles também faz parte do preparo das receitas: "o melhor ingrediente está no quintal". Dessa maneira, ingredientes como o ovo são tratados com a mesma reverência que as trufas - e combinados em alguns pratos - e os também brasileiros, mas menos convencionais, fígado de tamboriú, arraia, bochecha de viela, coentro Maranhão e peixes amazônicos

terça-feira, 27 de maio de 2008

Gastronomia Molecular

O casamento do laboratório com a cozinha

Publicada: 04/05/2008 fonte: Jornal da Cidade - Sergipe

Você chega ao restaurante e o maitre lhe oferece o menu, com as opções do dia: 1) Merengue feito sob vácuo e aquecido em ar rarefeito; 2) Gotículas de matéria gordurosa do leite batidas e resfriadas. 3) Brócolis cozidos em água com bicarbonato de sódio; 4) Geléia com uma pitada de citrato de cálcio.

Antes de considerar a opção de um jejum ou de uma fuga rápida do local, pense novamente. Você está frente a frente com um dos mais novos ramos da culinária: a gastronomia molecular. Trata-se de um estilo que alia o conhecimento científico para a elaboração de novas receitas ou o aprimoramento de outras já conhecidas. (Isaac) Newton explica.

Praticada com o auxílio de aparelhos mais comuns a um laboratório, como pipetas e tubos de ensaio, a gastronomia molecular é um prato cheio para novas e inusitadas experiências culinárias.

— A gastronomia molecular pode ser definida como a interpretação do conhecimento da composição dos alimentos — explica Glaucia Maria Pastore, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. — É saber como eles interagem entre si e como isso se reflete nas propriedades do alimento que está sendo processado. Esse é o seu grande charme.

Físico francês foi o criador

Gastronomia molecular foi o nome que o físico-químico francês Hervé-This deu à disciplina que ele e o físico húngaro Nicolas Kurt criaram, no final dos anos 80, voltada para a análise científica dos fenômenos que se passam dentro de uma cozinha ao se processar a transformação dos alimentos.

— O que Hervé fez foi sistematizar os conhecimentos técnicos a respeito do preparo de alimentos — conta o físico e historiador Enrique Renteria, que coordena o I Encontro de Gastronomia Molecular, que acontece na próxima quarta, no Ateliê de Alquimia Culinária, em Botafogo. — Ele mostrou que as razões para fazer um alimento de uma certa maneira e deixar de fazer de outra têm fundamentos físicos e químicos.

Sabe-se que boa parte dos conhecimentos culinários existentes foram adquiridos, ao longo dos anos, de forma intuitiva, à base de tentativa e erro, por cozinheiros e donas de casa. O conhecimento científico, dizem os especialistas, serviria não apenas para ajudar a entender por que o pão tem um determinado aroma, mas também para permitir ousadias até então imagináveis.

— Ao longo dos séculos, certas coisas deram certo, outras não. Certas correlações foram estabelecidas, algumas verdadeiras, outras falsas. — lembra o sociólogo Carlos Alberto Dória, autor do livro “Estrelas no céu da boca — Escritos sobre culinária e gastronomia”. — A gastronomia molecular mostra essas fronteiras entre o certo, cientificamente comprovável, e o que são crenças mágicas etc.

Mais precisão e criatividade

O sociólogo lembra que até hoje, em alguns lugares, há quem pense que mulher menstruada não deve fazer maionese ou bolo porque que não vai dar certo.
— É uma falsidade, claro. Mas há outras crenças que não são tão claras e óbvias. Dessa forma, o conhecimento científico amplia a liberdade e aumenta a precisão. E, claro, favorece a criatividade.

Boa parte dessas ousadias, conta Enrique Renteria, tem saído do restaurante The Fat Duck, em Londres, onde trabalha o chef Heston Blumenthal, o maior nome da gastronomia molecular.

— No Fat Duck consta do cardápio uma bolinha que, na verdade, é uma solução de alga. Ela é dura por fora, mole por dentro e tem o aspecto de um caviar. Você bota na boca e ela estoura. E é possível botar qualquer sabor dentro dela. É uma iguaria típica da gastronomia molecular. Sem ela, esse tipo de combinação não existiria.

Em tempo: 1) Merengues a vácuo para que as moléculas de água tenham menos dificuldade para abrir passagem através do nitrogênio e do oxigênio da atmosfera; 2) Gotículas de matéria gordurosa do leite batidas e resfriadas, acrescidas de chocolate, viram chocolate chantili; 3) O bicarbonato de sódio capta o hidrogênio presente na água e deixa os brócolis ainda mais verdes; 4) O citrato de cálcio favorece o “ponto” das geléias e doces em geral, já que o cozimento das frutas libera moléculas de pectina contidas nas mesmas e o o cálcio se encarrega de reunir essas moléculas formando um rede que aprisiona a água e as frutas.

Sabores inusitados

Autor do livro “O Sabor Moderno”, o físico e historiador Enrique Renteria, que coordena o curso Design e Tradição na Gastronomia (PUC-RIO), listou alguns exemplos que, segundo ele, ilustram as características da gastronomia molecular.

CHOCOLATE: Fazer uma emulsão derretendo o chocolate na água. Esfriar e bater. Alguns minutos depois, se obtém uma espuma de chocolate. Seria normalmente, uma mousse de chocolate. Mas vale observar que essa mousse não contém ovos e sua consistência é a mesma que a do creme chantili. Se você colocar açúcar, terá “chocolate chantili. É claro que com outras gorduras pode-se obter outros cremes, de foie gras, de queijo, etc. A fórmula é : O/W -LAGOSTA: O primeiro passo para este prato é preparar óleo perfumado com lagosta, esquentando carapaças de lagosta em óleo. Depois, se faz um purê moendo carne de lagosta. O terceiro passo é fazer uma sopa cozinhando carapaças do crustáceo com cebola, cenoura, tomilho, louro e tomate. Em seguida, se deve dispersar (misturar e dissolver) o purê no óleo dentro da sopa com gelatina. Introduzir ar na emulsão. Esperar que a gelatina gelifique. Esta preparação tem a fórmula (S1+O+G)/W -CLARA DE OVO: Emulsões pode ser feitas de água, óleo e um surfactante (aditivo). O número de combinações é grande. Normalmente, as emulsões são feitas com clara de ovo, 90% de água e 10% de proteínas, e óleo. O resultado é uma emulsão praticamente sem sabor. Um sabor delicado de cogumelo pode ser obtido misturando no molho, a emulsão, cogumelos cozidos ou crus, moídos. Observar que se fosse maionese, o gosto dominante seria o da maionese e não o dos cogumelos.

OVO SEGURO: A que temperatura coagulam os ovos? Como as várias proteínas do ovo têm diferentes composição de aminoácidos, elas também têm diferentes temperaturas para alterar suas propriedades. Esquentando ovos a 65 graus durante algumas horas a clara coagula delicadamente e a gema permanece quase crua. Durante esse aquecimento, os ovos se tornam seguros para o consumo: um pesquisador do serviço público britânico demonstrou que ovos nos quais havia-se introduzido milhões de bactérias tornaram-se seguros depois de serem aquecidos a 59 graus por 18 minutos.

LEITÃO CROCANTE: Cozinheiros famosos, incluindo Antonin Carême, sempre recomendaram retirar a cabeça do leitão logo que este sai do forno para assegurar que a pele fique crocante. A primeira vista não há relação entre ambos os fatos: retirar a cabeça e pele crocante já que aparentemente não há fluxo de fluidos entre a cabeça e a pele. Experiências públicas foram realizadas na França em 1993 com quatro leitões dos mesmos pais e criados juntos. Um grupo de 143 pessoas provou a cegas leitão com a separação e sem a separação em questão, comprovando que esta tinha o efeito de deixar a pele mais crocante. O efeito resulta do fato que durante o cozimento a água da carne se evapora e parte desse vapor se perde através da pele. Sem aquecimento, o vapor umedece a pele por dentro e a amolece. Cortar a cabeça impede essa perfusão do vapor.



La bouillabaisse

Préparation

1h30

Cuisson


1h30

Ingrédients
Pour 4 personnes :

- 4 rascasses écaillées et vidées
- 4 vives écaillées et vidées
- 4 tranches de fiélas (ou congre)
- 1 saint-pierre de 1kg écaillé et vidé
- 6 pommes de terre
- 20 tranches de pain
- 1 gousse d'ail
- sel, poivre

Pour le fond :

- 1 kg de poissons de roche
- 2 poireaux
- 2 oignons
- 1 tête d'ail
- 6 branches de persil
- 6 tiges de fenouil
- 4 tomates
- 4 cuillérées à soupe d'huile d'olive
- 2 feuilles de laurier
- 1 morceau d'écorce d'orange
- 1 piment de Cayenne
- 2 pointes de couteau de safran en poudre

Recette
FOND:
Ne pas écailler les poissons de roche. Les rincer et vider les plus gros. Laver et couper grossièrement les poireaux. Éplucher, laver et hacher les oignons. Éplucher et écraser les gousses d'ail. Laver et égoutter le persil et le fenouil. Concasser les tomates.
Dans une marmite, sur feu doux, faire revenir ces légumes avec l'huile d'olive, le laurier, I'écorce d'orange et le piment. Laisser cuire 15 minutes. Ajouter les poissons de roche et assaisonner. Laisser colorer le tout pendant 15 minutes, puis verser 3 litres d'eau bouillante. Laisser frémir pendant encore 10 minutes.
Hors du feu, retirer les tiges de fenouil et l'écorce d'orange. Passer le restant au presse-purée muni d'une grosse grille, puis au chinois. Ajouter le safran. Rectifier l'assaisonnement et réserver.

Éplucher, laver et couper les pommes de terre en gros dés. Les faire cuire dans un faitout pendant 30 minutes en les recouvrant d'une quantité égale de fond de poisson et d'eau. Saler. Réserver.
Réaliser l'Aioli
Griller les tranches de pain, puis les frotter avec une gousse d'ail. Les réserver dans une soupière.

Porter le restant de fond de poisson à ébullition. Y faire pocher les poissons en commençant par les morceaux à chair ferme, et les laisser cuire sur feu doux pendant 6 à 10 minutes. Disposer les pommes de terre dans un grand plat, puis poser les poissons dessus.

Verser la bouillabaisse dans la soupière, sur les croûtons. Servir accompagné de l'aïoli dans son mortier.

Colaboradores