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terça-feira, 27 de maio de 2008

Gastronomia Molecular

O casamento do laboratório com a cozinha

Publicada: 04/05/2008 fonte: Jornal da Cidade - Sergipe

Você chega ao restaurante e o maitre lhe oferece o menu, com as opções do dia: 1) Merengue feito sob vácuo e aquecido em ar rarefeito; 2) Gotículas de matéria gordurosa do leite batidas e resfriadas. 3) Brócolis cozidos em água com bicarbonato de sódio; 4) Geléia com uma pitada de citrato de cálcio.

Antes de considerar a opção de um jejum ou de uma fuga rápida do local, pense novamente. Você está frente a frente com um dos mais novos ramos da culinária: a gastronomia molecular. Trata-se de um estilo que alia o conhecimento científico para a elaboração de novas receitas ou o aprimoramento de outras já conhecidas. (Isaac) Newton explica.

Praticada com o auxílio de aparelhos mais comuns a um laboratório, como pipetas e tubos de ensaio, a gastronomia molecular é um prato cheio para novas e inusitadas experiências culinárias.

— A gastronomia molecular pode ser definida como a interpretação do conhecimento da composição dos alimentos — explica Glaucia Maria Pastore, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. — É saber como eles interagem entre si e como isso se reflete nas propriedades do alimento que está sendo processado. Esse é o seu grande charme.

Físico francês foi o criador

Gastronomia molecular foi o nome que o físico-químico francês Hervé-This deu à disciplina que ele e o físico húngaro Nicolas Kurt criaram, no final dos anos 80, voltada para a análise científica dos fenômenos que se passam dentro de uma cozinha ao se processar a transformação dos alimentos.

— O que Hervé fez foi sistematizar os conhecimentos técnicos a respeito do preparo de alimentos — conta o físico e historiador Enrique Renteria, que coordena o I Encontro de Gastronomia Molecular, que acontece na próxima quarta, no Ateliê de Alquimia Culinária, em Botafogo. — Ele mostrou que as razões para fazer um alimento de uma certa maneira e deixar de fazer de outra têm fundamentos físicos e químicos.

Sabe-se que boa parte dos conhecimentos culinários existentes foram adquiridos, ao longo dos anos, de forma intuitiva, à base de tentativa e erro, por cozinheiros e donas de casa. O conhecimento científico, dizem os especialistas, serviria não apenas para ajudar a entender por que o pão tem um determinado aroma, mas também para permitir ousadias até então imagináveis.

— Ao longo dos séculos, certas coisas deram certo, outras não. Certas correlações foram estabelecidas, algumas verdadeiras, outras falsas. — lembra o sociólogo Carlos Alberto Dória, autor do livro “Estrelas no céu da boca — Escritos sobre culinária e gastronomia”. — A gastronomia molecular mostra essas fronteiras entre o certo, cientificamente comprovável, e o que são crenças mágicas etc.

Mais precisão e criatividade

O sociólogo lembra que até hoje, em alguns lugares, há quem pense que mulher menstruada não deve fazer maionese ou bolo porque que não vai dar certo.
— É uma falsidade, claro. Mas há outras crenças que não são tão claras e óbvias. Dessa forma, o conhecimento científico amplia a liberdade e aumenta a precisão. E, claro, favorece a criatividade.

Boa parte dessas ousadias, conta Enrique Renteria, tem saído do restaurante The Fat Duck, em Londres, onde trabalha o chef Heston Blumenthal, o maior nome da gastronomia molecular.

— No Fat Duck consta do cardápio uma bolinha que, na verdade, é uma solução de alga. Ela é dura por fora, mole por dentro e tem o aspecto de um caviar. Você bota na boca e ela estoura. E é possível botar qualquer sabor dentro dela. É uma iguaria típica da gastronomia molecular. Sem ela, esse tipo de combinação não existiria.

Em tempo: 1) Merengues a vácuo para que as moléculas de água tenham menos dificuldade para abrir passagem através do nitrogênio e do oxigênio da atmosfera; 2) Gotículas de matéria gordurosa do leite batidas e resfriadas, acrescidas de chocolate, viram chocolate chantili; 3) O bicarbonato de sódio capta o hidrogênio presente na água e deixa os brócolis ainda mais verdes; 4) O citrato de cálcio favorece o “ponto” das geléias e doces em geral, já que o cozimento das frutas libera moléculas de pectina contidas nas mesmas e o o cálcio se encarrega de reunir essas moléculas formando um rede que aprisiona a água e as frutas.

Sabores inusitados

Autor do livro “O Sabor Moderno”, o físico e historiador Enrique Renteria, que coordena o curso Design e Tradição na Gastronomia (PUC-RIO), listou alguns exemplos que, segundo ele, ilustram as características da gastronomia molecular.

CHOCOLATE: Fazer uma emulsão derretendo o chocolate na água. Esfriar e bater. Alguns minutos depois, se obtém uma espuma de chocolate. Seria normalmente, uma mousse de chocolate. Mas vale observar que essa mousse não contém ovos e sua consistência é a mesma que a do creme chantili. Se você colocar açúcar, terá “chocolate chantili. É claro que com outras gorduras pode-se obter outros cremes, de foie gras, de queijo, etc. A fórmula é : O/W -LAGOSTA: O primeiro passo para este prato é preparar óleo perfumado com lagosta, esquentando carapaças de lagosta em óleo. Depois, se faz um purê moendo carne de lagosta. O terceiro passo é fazer uma sopa cozinhando carapaças do crustáceo com cebola, cenoura, tomilho, louro e tomate. Em seguida, se deve dispersar (misturar e dissolver) o purê no óleo dentro da sopa com gelatina. Introduzir ar na emulsão. Esperar que a gelatina gelifique. Esta preparação tem a fórmula (S1+O+G)/W -CLARA DE OVO: Emulsões pode ser feitas de água, óleo e um surfactante (aditivo). O número de combinações é grande. Normalmente, as emulsões são feitas com clara de ovo, 90% de água e 10% de proteínas, e óleo. O resultado é uma emulsão praticamente sem sabor. Um sabor delicado de cogumelo pode ser obtido misturando no molho, a emulsão, cogumelos cozidos ou crus, moídos. Observar que se fosse maionese, o gosto dominante seria o da maionese e não o dos cogumelos.

OVO SEGURO: A que temperatura coagulam os ovos? Como as várias proteínas do ovo têm diferentes composição de aminoácidos, elas também têm diferentes temperaturas para alterar suas propriedades. Esquentando ovos a 65 graus durante algumas horas a clara coagula delicadamente e a gema permanece quase crua. Durante esse aquecimento, os ovos se tornam seguros para o consumo: um pesquisador do serviço público britânico demonstrou que ovos nos quais havia-se introduzido milhões de bactérias tornaram-se seguros depois de serem aquecidos a 59 graus por 18 minutos.

LEITÃO CROCANTE: Cozinheiros famosos, incluindo Antonin Carême, sempre recomendaram retirar a cabeça do leitão logo que este sai do forno para assegurar que a pele fique crocante. A primeira vista não há relação entre ambos os fatos: retirar a cabeça e pele crocante já que aparentemente não há fluxo de fluidos entre a cabeça e a pele. Experiências públicas foram realizadas na França em 1993 com quatro leitões dos mesmos pais e criados juntos. Um grupo de 143 pessoas provou a cegas leitão com a separação e sem a separação em questão, comprovando que esta tinha o efeito de deixar a pele mais crocante. O efeito resulta do fato que durante o cozimento a água da carne se evapora e parte desse vapor se perde através da pele. Sem aquecimento, o vapor umedece a pele por dentro e a amolece. Cortar a cabeça impede essa perfusão do vapor.

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